Da histórica promessa do prolongamento Castelo Branco-Echaporã ao risco iminente de desabamento de ‘predinhos da CDHU’, Estado e município replicam contornos em vias de saída. Cenários políticos para eleições municipais de 2024 seguem em pavimentação
Pela segunda vez em seu primeiro ano de mandato como governador do Estado de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos) trafegou por Marília para a inauguração da duplicação de trecho de rodovia paulista administrada pela iniciativa privada.
É praxe: o governo da vez do estado concedente entrega obra da concessionária – no caso, 64 quilômetros da rodovia “Rachid Rayes” (SP-333) entre Marília e Assis (SP), ao custo de R$ 427 milhões sem recursos públicos, segundo a Entrevias.
Concedida em junho de 2017 pelo então governador e atual vice-presidente da República, Geraldo Alckmin (então PSDB, desde 2022, PSB), a rodovia já havia recebido outra duplicação, na zona norte, no ano eleitoral de 2018, sem ato político.
Iniciada ainda em março de 2020, pelo então governador eleito João Dória (então PSDB, hoje sem partido), a duplicação do trecho Marília-Assis terminou em agosto de 2023, sob o novo governo Tarcísio, a quem coube o bônus político de entrega-la.
CASTELO BRANCO
A proximidade com Echaporã (SP) – menos que os 42 quilômetros que a separam de Marília, a considerar a tenda de inauguração armada em frente à Fundação Casa, no quilômetro 343 da SP-333 – ressuscitou uma antiga promessa rodoviária da região.
“Quem sabe, o senhor não possa trazer a (rodovia) Castelo Branco a Echaporã?”, ‘pediu’ o deputado mariliense Vinícius Camarinha (PSDB) ao governador. “Entendi a demanda. Vai estar no foco de atenção essa extensão”, respondeu Tarcísio, em seu discurso.
A promessa remonta há décadas. Principal interligação rodoviária entre a capital e o centro-oeste paulista e vice-versa, a Castelo Branco teve sua última ampliação concluída até Santa Cruz do Rio Pardo (SP) em 1982, no governo de Abreu Sodré (1917-1999).
Desde então, a extensão da rodovia tem sido uma das promessas mais recorrentes nas campanhas ao Palácio dos Bandeirantes, mesmo após a concessão de 1998, cujos lotes hoje são administrados pela Viaoeste, Rodovias das Colinas e SPVIas.
Tarcísio citou um estudo a ser “transformado em projeto”. Em junho de 2022, o Departamento de Estradas de Rodagem do Estado de São Paulo (DER) contratou empresa especializada em elaboração de “projetos funcionais” para “prolongamento de rodovias”.
A criação de uma nova ligação de 91 quilômetros da Castelo Branco (SP-280) até Echaporã consta no edital 034/2022, atualmente indisponível no site do DER. Segundo extrato de contrato publicado na Imprensa Oficial do Estado, o estudo foi contratado por R$ 11,8 milhões.
CDHU
Apesar do bônus da entrega da obra rodoviária, o governador precisou lidar em Marília, ainda na segunda-feira (18), com o ônus de um compromisso público do estado para o conflito jurídico local que envolve sua autarquia de habitação.
Antes, um breve contexto.
A Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo (CDHU) é uma das rés – a outra é a Prefeitura de Marília – em ação civil pública impetrada pelo Ministério Público (MP) e a Defensoria Pública do Estado de São Paulo.
A Promotoria responsabiliza a autarquia e o município por responsabilidade solidária à situação precária do Conjunto Habitacional “Paulo Lúcio Nogueira”, conhecido como ‘predinhos da CDHU’, na zona sul.
Impetrada em 2018, a ação civil pública segue sem julgamento de mérito. Novo laudo emitido em novembro deste ano repete o que outros dois já apontaram há mais de um ano: o “grave risco de desabamento”. Agora, com um adendo de urgência: de todos os 44 prédios, em virtude “das infiltrações existentes e comprometimento da infraestrutura”.
À mão do laudo, a desembargadora Mônica Serrano, do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) atendeu a agravo de instrumento interposto pelo MP e Defensoria Pública e determinou “imediata desocupação dos imóveis”, com “realocação temporária de moradores para local seguro”.
Horas antes, na mesma segunda (18), Tarcísio respondia aos jornalistas sobre o assunto.
“A responsabilidade não é nossa. Esses prédios foram entregues há 25 anos. A partir daí, a gestão é dos moradores. As pessoas fazem mau uso do que receberam”, afirmou o governador, parafraseando a argumentação da própria CDHU nos autos da ação civil pública.
Ante a iminência da tragédia anunciada pelos laudos, o governador apresentou uma proposta de médio prazo: a construção de novas habitações, após remoção emergencial dos moradores. “Não leva menos de um ano”.
A decisão do TJ aconteceu de véspera a audiência de conciliação entre as partes envolvidas na ação civil pública na Vara da Fazenda Pública de Marília. Ao final, o juiz Walmir Idalêncio dos Santos Cruz avaliou o encontro como “infrutífero”.
O motivo foi a nova recusa da CDHU à proposta em março em outra audiência de conciliação: os auxílios financeiros de R$ 600 mensais para moradia e de R$ 1 mil, para pagamento do transporte da mudança.
Obrigada a atender imediatamente a remoção dos moradores, a Prefeitura de Marília informou em nota publicada nesta quarta-feira (20) ter tomado ciência de decisão judicial somente durante a audiência.
“O município analisará todas as circunstâncias, pois trata-se de uma situação emergencial e completamente inusitada”, afirmou a Prefeitura. Em nenhum momento da nota o governo municipal informa qualquer plano de ação para retirada dos moradores.
São 1.727 pessoas, inclusos 196 idosos e 580 menores de idade, segundo levantamento feito pela Prefeitura de Marília e já enviado à CDHU, que seguem debaixo do acaso do teto das incertezas, entre a vida e morte.
VIAS POLÍTICAS
O governador de São Paulo chegou à tenda de inauguração do novo trecho duplicado da SP-333, na segunda-feira (18), acompanhado do prefeito da cidade, Daniel Alonso (sem partido) – uma cena incomum nos últimos anos.
Foi recepcionado no aeroporto e levado até o local onde já estavam sua filha e deputada estadual, Dani Alonso (PL) e seu conterrâneo, colega de legislatura e adversário político, Vinícius Camarinha (PSDB).
Hoje em sua quinta legislatura estadual, era o deputado quem costumava chegar às solenidades locais acompanhado de João Dória e, principalmente, Rodrigo Garcia, de quem fora líder na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp).
Tarcísio foi recepcionado por ambos os deputados, governistas de primeira hora. Vinícius manteve-se à direita do governador o tempo todo – Dani Alonso, o pai e o marido e deputado federal Capitão Augusto (PL), à esquerda.
Ao centro, o governador e um eventual dilema eleitoral a resolver em 2024: a quem apoiar nas eleições municipais em Marília? O candidato a prefeito indicado pela ala ideológica representada por Dani ou, talvez, ao próprio Vinícius, que continuaria deputado e líder da 3ª maior bancada da Alesp?
O tempo, por ora, é favorável a Tarcísio. Ao menos até o posicionamento dos pré-candidatos, antes da escolha dos postulantes ao governo municipal nas convenções partidárias a serem realizadas entre 20 de julho e 5 de agosto.
A decisão de Vinícius, em concorrer ou não à Prefeitura de Marília, é pêndulo às demais candidaturas. Pesquisas informais de intenção de votos solicitadas por partidos políticos, a que o blog teve acesso, orientam atenção à escolha do neotucano.
Vinícius nunca perdeu uma eleição quando concorreu à Alesp em 2002, 2006, 2010, 2018 e 2022. No entanto, das três em que buscou o Executivo de Marília venceu apenas em 2012 - perdeu em 2008 e na tentativa de reeleição, em 2016.
Caso opte por permanecer na Alesp, Vinícius pode capitalizar a escolha da superintendente do Hospital das Clínicas, Paloma Libânio, à Prefeitura de Marília. Indicada pelo deputado ao cargo, ela tem frequentado a cena política da cidade.
O governo municipal – leia-se, o próprio prefeito reeleito Daniel Alonso (sem partido) – deve escolher o nome da continuidade do grupo político que administra a cidade há sete anos – ou desde a vitória nas urnas sobre Vinícius.
Já concorrem entre si pela visibilidade no governo o assessor especial, Alysson Alex Souza e Silva (PL) e o vice-prefeito, Cícero do Ceasa (PL), nesta ordem. Dias atrás, o prefeito ganhou um genro e perdeu um nome competitivo, presente à solenidade desta segunda (18).
Recém-casado com a deputada estadual Dani Alonso (PL), o Capitão Augusto (PL), é figura nacional do bolsonarismo e aglutinaria a direita, ampla maioria no eleitorado mariliense, conforme ditam as urnas há décadas na cidade.
O impedimento à candidatura do capitão ao Executivo de Marília está no parágrafo sétimo do artigo 14 da Constituição Federal, no qual se lê:
"São inelegíveis, no território de jurisdição do titular, o cônjuge e os parentes consanguíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção, do Presidente da República, de governador de estado ou território, do distrito federal, de prefeito ou de quem os haja substituído dentro dos seis meses anteriores ao pleito, salvo se já titular de mandato eletivo e candidato à reeleição”.
O deputado federal foi incluso, por sua livre e espontânea vontade, ao ‘status’ legal de afins.
Os demais pretendentes ao cargo de Daniel Alonso trabalham nos entornos em busca de viabilidade política e financeira para pavimentar uma candidatura que seja competitiva nas urnas de 2024.
Entre eles, o presidente da Câmara Municipal, Eduardo Nascimento (PSDB), opositor do governo municipal e ausente na solenidade desta segunda (18). O Legislativo foi representado pelo seu primeiro vice-presidente, Rogerinho (PP).
O pepista, aliás, articula por espaço em alguma chapa ao próxima governo de Marília. Além dele, apenas outros três dos 13 vereadores compareceram ao ato de segunda-feira (18): o líder do prefeito, Junior Moraes (PL); Vânia Ramos (Republicanos) e Evandro Galete (PSDB) - este último, com novos pedidos de obras em mãos.
A Câmara Municipal deve reposicionar-se politicamente na 'janela partidária' que ocorre entre 6 de março e 6 de abril de 2024 - único período permitido pela legislação para mudança de partido sem perda de mandato.
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