Apressada por Executivo, Câmara Municipal deve abrir novos corredores comerciais e dar ‘sinal verde’ para compra de vacinas contra a covid-19 nesta segunda (15). Reabertura do comércio por atalho legislativo municipal gera congestionamento de versões jurídicas e abalroamento entre Poderes. Marília inicia semana na contramão da fase emergencial do Plano SP. Siga em frente na leitura: o seu destino está logo abaixo.
Espremido por vias apertadas, rasgadas no alto espigão Peixe-Feio a bel-prazer de interesses pessoais, o centro de Marília também é entrecortado por um espaço amplo, acessível, porém seccionado por travessias nem sempre conectadas entre si, a exemplo da própria avenida Sampaio Vidal.
A passagem se dá pelo Paço Municipal que, por sua natureza pública, é transitado por vias políticas, pelas quais continuam a trafegar, há mais de nove décadas, decisões que convergem os anseios de toda uma cidade ou, não raro, de alguns agrimensores remanescentes, os Bentos de Abreu e Pereirinhas de nossos dias.
É neste fluxo que a Câmara Municipal de Marília estaciona suas deliberações nas sessões ordinária e extraordinária – esta última, prevista – nesta segunda-feira (15), envolvida, ainda, em um abalroamento com o Executivo municipal e estadual por conta da reabertura do comércio – e sem habilitação pelo STF.
‘PACOTÃO’ DE CORREDORES
Apenas uma proposta deve deslocar-se pelo plenário nesta segunda: a que converte oito vias de acesso a novos corredores comerciais. Aprovada em primeira marcha de debates na semana passada, a matéria já retornou à pauta nesta segunda, sobrestando a pauta. O Executivo tem pressa na aprovação.
Entre as justificativas apontadas pela Secretaria Municipal de Planejamento Urbano estão a “melhoria da mobilidade e no fluxo de veículos” e que as regiões “beneficiadas” “carecem de serviços e comércios que atendam as populações vizinhas”, “resolvendo impactos e conflitos urbanísticos”.
A proposta passou sem unanimidade pela última sessão camarária. Os vereadores Eduardo Nascimento (PSDB), que pediu vista e agente federal Junior Féfin (PSL) cobraram a apresentação de estudo de impacto – sobretudo, em relação às vias com maior concentração residencial.
Este blog percorreu todas as vias pleiteadas a ZEC 3 (Zona Especial dos Corredores) e traz abaixo, com imagens registradas neste domingo (14), a realidade de cada uma. Confira:
· Avenida Cascata
Inaugurada em novembro de 2016, a via interliga e encurta o acesso a dois pontos da zona leste, na região mais nobre da cidade. Há algumas casas comerciais apenas no bairro Maria Isabel. No mais, trata-se de uma área vocacionada a condomínios de luxo.
· Alameda Joaquim Cavina
É a prolongação da avenida Cascata, no Parque das Esmeraldas I e II. Atualmente, é ocupada apenas por residências. No entanto, há espaço para eventual uso comercial, em terrenos ainda disponíveis por ali.
· Avenida Maria Cecilia Alves
Fica entre a avenida das Esmeraldas e a alameda Joaquim Cavina. Há apenas uma casa comercial, de esquina com a via principal da zona leste. No mais, a via é apenas residencial, além de contar com uma área verde.
· Avenida José da Silva Nogueira Junior
Antigo acesso ao ‘Clube da Barca’, na zona oeste, a via interliga vários bairros – vários deles, entregues recentemente – e passa por obras de ampliação e pavimentação. A única referência comercial, hoje, é um trailer de lanches, e nada mais.
· Avenida João Martins Coelho
Localizada no bairro Santa Antonieta, é uma das mais importantes da zona norte. Devido à sua localização estratégica, desenvolveu a vocação às atividades comerciais e de serviços. A nova lei, se aprovada, vai apenas confirmar o que já existe.
· Rua Santa Helena
Inclusa no ‘pacote de corredores’ através de emenda apresentada pelo vereador Rogerinho (PP), a rua é vizinha ao bosque municipal, na zona leste. Interliga o Cascata ao Jardim Estoril. Há tempos é ocupada por lojas, consultórios e serviços em geral.
· Rua das Ametistas/Rua dos Opalas
São as duas ruas laterais ao Esmeralda Shopping, localizado na zona leste. Além do centro de compras, a das Ametistas abrigam um bar e um home care e das Opalas, uma escola de idiomas. No mais, apenas residências.
As duas vias, no entanto, estão inclusas em um projeto de mobilidade urbana, que visa interligar as avenidas Tiradentes e Esmeraldas. O acesso de daria por uma nova via a ser instalada ao lado do Tauste Sul.
Entre uma avenida e outra há uma ferrovia no meio do caminho. Segundo informou a Rumo, a prefeitura ainda não havia enviado nenhuma documentação para “a construção de uma passagem de nível em Marília”.
“É necessário a elaboração de projetos que devem ser previamente aprovados pela concessionária e encaminhados para análise e autorização do órgão regulador”, afirmou a Rumo ao blog. A Prefeitura de Marília, por sua vez, ainda não respondeu à demanda enviada no dia 12 de fevereiro – portanto, há mais de um mês.
SINAL VERDE
Enquanto o projeto não trafega, a Câmara Municipal deve abrir o sinal ao Executivo para a compra de vacinas contra a covid-19 em sessão extraordinária prevista para esta segunda (15). O governo municipal precisa da autorização do Legislativo para aderir ao consórcio da Frente Nacional de Prefeitos (FNP).
Marília é apenas uma entre 2,1 mil municípios brasileiros que já aderiram à iniciativa da FNP. Aprovado pela Câmara, o projeto de lei deve ser enviado à entidade até a próxima sexta-feira (19), para que a cidade fique habilitada a participar da Assembleia Geral do consórcio a ser realizado no próximo dia 22.
A compra da vacina por estados e municípios foi autorizada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em decisão unânime, em 24 de fevereiro. Os recursos podem vir do Governo Federal, por emendas parlamentares, doações ou podem ser bancadas pelos próprios cofres municipais.
“O dinheiro da vacina já está guardado”, afirmou o prefeito de Marília, em live, na manhã de sábado (13), sem especificar quanto. “Se a gente conseguir ser mais ágil que o governo federal, vamos comprar”, garantiu. Se precisar, a prefeitura pode contar com recursos do Legislativo. A garantia é do presidente da casa, Marcos Rezende (PSD).
“A Câmara fará todo o esforço. Os vereadores vão ajudar com que nós devolvamos uma parte do duodécimo para que compremos mais vacinas. A perspectiva nossa é que a Câmara possa auxiliar na aquisição de 30 mil, 40 mil vacinas por mês”, afirmou Rezende, em live postada logo após a do prefeito, no sábado.
CONTRAMÃO
Acostumados a trafegar nas mesmas vias, Alonso e Rezende entraram em ‘rota de colisão’. A suposta mudança de mão – ao menos, publicamente – foi deflagrada ainda na sexta-feira (12) após o posicionamento do município em relação à derrubada dos vetos do prefeito aos projetos de lei que tratam sobre o reconhecimento de atividades diversas como essenciais para o município.
“Sobre a movimentação da Câmara, a Prefeitura através da Procuradoria Geral do Município informa que a referida lei está suspensa pela Justiça, inclusive com possível aplicação de multa, e, portanto, não tem qualquer eficácia”, divulgou o Executivo, em nota.
Em contraponto – ainda do ponto de vista legal – à decisão da Câmara, que na prática permitiu a reabertura do comércio, Alonso publicou decreto, ainda na sexta (12), no qual confirmou a escolha da cidade pelo cumprimento da fase emergencial do Plano São Paulo que, a partir desta segunda (15), impõe ainda mais restrições às atividades econômicas em geral.
A resposta do Legislativo não tardou, ainda na sexta. “Trata-se sim do livre exercício democrático e o cumprimento da decisão soberana do plenário do Poder Legislativo que, em sessão ordinária realizada em 8 de março de 2021, de forma unânime derrubou os dois vetos propostos para as respectivas Leis Ordinárias pelo chefe do Executivo”.
Alonso voltou a tratar sobre a decisão da Câmara na live de sábado. Ele lembrou dos vetos, aos quais chamou de “redundantes” e a suspensão da eficácia pelo Tribunal de Justiça (TJ-SP), em 9 de fevereiro. “A Procuradoria foi muito clara e categórica: esses projetos não têm eficiência”, afirmou. Confira abaixo:
Rezende subiu o tom em ‘live de resposta’ direcionada ao próprio prefeito. “Não fale um absurdo desses, dizendo que o que a Câmara fez é ineficaz”, argumentou. “Se a lei não for derrubada pelo Tribunal de Justiça como foi a sua, ainda estará valendo”, afirmou. Confira vídeo na íntegra:
SEM HABILITAÇÃO
Autor de um dos dois projetos cujos vetos foram derrubados “por unanimidade” – o outro é de Eduardo Nascimento (PSDB) – Rezende evocou o Regimento Interno para defender a “soberania do plenário” da Câmara sobre a matéria. Ele citou o artigo 44, parágrafo sétimo, que diz:
“A não promulgação da lei, no prazo de quarenta e oito horas, pelo prefeito, nos casos dos parágrafos 3º e 5º, criará para o presidente da Câmara a obrigação de fazê-lo em igual prazo, e, se este não o fizer, caberá ao 1º vice-presidente, em igual prazo”.
Rezende referiu-se, portanto, ao próprio ato de ofício. Ele não avançou, no entanto, na análise da decisão do STF, ainda de abril de 2020 – portanto, do segundo mês da pandemia no Brasil – que tratou sobre a competência concorrente da União, dos estados e municípios, na tomada de medidas para enfrentar a doença.
Segundo entendimento da suprema corte, os municípios não podem flexibilizar onde o estado e a União restringem, conforme explicou o procurador-geral de Justiça de Goiás, Aylton Flávio Vechi, em artigo publicado no site ‘Jota’, especializado na cobertura do Poder Judiciário. Veja:
“Aos municípios, cuja competência é suplementar (art. 30, Constituição Federal), ou seja, exercida apenas para suprir a falta de regras gerais, fica a importante responsabilidade de, avaliadas as particularidades locais (estrutura hospitalar, condições sanitárias, número de infectados etc.) e sem extrapolar os limites das normas emitidas pela União e Estado, mas valendo-se delas, complementá-las para ampliar, intensificar, se preciso, o nível de proteção à saúde da população”.
Esta base jurídica consta de todas as decisões do Tribunal de Justiça por ocasião das derrubadas das outras ‘Leis do Comércio’ aprovadas em Marília em 2020 – e assim será para esta que, por ora, segue vigente. Esta condição converte estas decisões da Câmara Municipal em atos meramente políticos.
A PAUTA DA SESSÃO ORDINÁRIA DESTA SEGUNDA (15)
I – PROCESSO CONCLUSO
PROCESSO INCLUÍDO NA ORDEM DO DIA NOS TERMOS DO ARTIGO 43, § 2º, DA LEI ORGÂNICA DO MUNICÍPIO
1 – Segunda discussão do Projeto de Lei nº 139/2020, da Prefeitura Municipal, modificando a Lei nº 4455, de 18 de junho de 1998 – Lei de Zoneamento e Uso do Solo, incluindo a alameda Joaquim Cavina, a avenida Maria Cecilia Alves, a avenida Cascata, a rua das Ametistas, a rua das Opalas, a avenida João Martins Coelho e a avenida José da Silva Nogueira Junior como ZEC 3 (Zona Especial de Corredores – Vias de Apoio). Há emenda. Votação qualificada.
A PAUTA PREVISTA PARA A SESSÃO EXTRAORDINÁRIA DESTA SEGUNDA (15)
I – PROCESSO CONCLUSO
Projeto de Lei 24/2021, que ratifica protocolo de intenções firmado entre municípios brasileiros, com a finalidade de adquirir vacinas para combate à pandemia do coronavírus, medicamentos, insumos e equipamentos na área da saúde.
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