Canalizada à aprovação sem concorrência, outorga de serviços do Daem depende da escolha de futuro(a) prefeito(a) para interligação ou ruptura contratual. Maioria de ‘prefeitáveis’ é contra novo modelo de gestão privada do saneamento em Marília. Eventual revogação pós-eleições pode desaguar indenização milionária
Após quase dois anos de sua extração legal na Câmara Municipal de Marília e a interrupção do fluxo de editais, reparados por dutos judiciais, a concessão dos serviços do Departamento de Água e Esgoto de Marília (Daem) jorrou na Secretaria Municipal de Suprimentos na última quarta-feira (22).
A vazão de concorrência, no entanto, ficou assoreada pela adesão exclusiva do consórcio Ricambiental abastecido pela CTL Engenharia Ltda e Infra Engeharia e Consultoria Ltda, ambas de São Paulo, e pela Replan Saneamento e Obras, com filial em Marília.
Liquidado o certame, sem que haja interrupções próprias de interposição de recursos – excetos os judiciais, por terceiros interessados – o processo de concessão deve seguir seu curso, canalizado à aprovação pela Comissão Julgadora.
ADUTORA ELEITORAL
Segundo o edital, os prazos de análise da única proposta variam de dias a meses – o depósito de caução em dinheiro, por exemplo, é de até 120 dias após a entrega dos envelopes ocorrida na última quarta-feira (22).
Ou seja, até 22 de setembro, a menos de 15 dias das eleições municipais, cujas urnas concederão, de fato, ao(à) futuro(a) prefeito(a), o poder de decidir pela interligação ou não de seu governo à concessão dos serviços do Daem.
Assim, caberá ao eleitor decidir, dentre as futuras candidaturas disponíveis, aquela que se comprometer em sua plataforma de governo com sua preferência pela gestão privada ou pública da autarquia municipal.
FAVORÁVEL COM RESSALVAS
Até o momento, a corrida pelo Paço Municipal “Capitão Adorcino de Oliveira Lyrio” conta oficialmente com nove candidatos. Procurados pelo blog, nenhum deles cravou apoio à concessão dos serviços de água e esgoto.
Nem Ricardo Mustafá (PL), indicado pelo próprio prefeito Daniel Alonso (PL). “Não tenho opinião formada a respeito disso”, afirmou nesta sexta-feira (24), véspera de sua apresentação oficial como pré-candidato do governo municipal.
O deputado estadual Vinícius Camarinha (PSDB) criticou o modelo da concessão. “É ruim para Marília, para a população e privilegia os empresários”, afirmou. Em 2016, então prefeito, ele teve semelhante iniciativa barrada na Justiça.
Em março deste ano, durante o anúncio de sua pré-candidatura à Prefeitura de Marília, Vinícius voltou a defender a concessão, mas por outra proposta que seria “mais eficiente” que a atual.
MAIORIA CONTRA
O pré-candidato pelo Partido Novo, Garcia da Hadassa, posicionou-se contra a concessão e propôs um “debate público mais amplo”. “Na minha visão, o Daem é mal gerido. Com uma boa gestão, ele pode ser algo que dê orgulho à cidade”.
Todos os demais pré-candidatos ouvidos pelo blog manifestaram-se contrários à concessão do saneamento básico pela Prefeitura de Marília, em que pese suas diferenças ideológicas e/ou pessoais e políticas.
À direita do espectro partidário, o pré-candidato pelo PRTB, João Pinheiro afirmou ser “totalmente contra”. “Nossa Petrobrás mariliense jamais poderia ser negociada”, comparou. “O que precisa é de gestão”.
Na esquerda, o posicionamento contrário é unânime. “A água é um bem do povo e deve ser gerenciada pela prefeitura”, afirmou a pré-candidata Lilian Miranda (PCO), única mulher por ora na corrida eleitoral ao Executivo de Marília.
“O Daem é viável. Só precisa ser uma autarquia que tenha autonomia com gestão profissional. A prova de que dá lucro é o interesse das empresas na concessão”, afirmou o pré-candidato pelo PDT, Wilson Vidoto Manzon.
Em nota divulgada neste sábado (25), o PSOL Marília, cujo pré-candidato do partido é Márcio Cardoso, afirmou ser "absolutamente contrário ao processo de concessão do Daem". É o mesmo posicionamento do pré-candidato da Federação PT-PC do B-PV, Flávio José Rino Guimarães, o ‘Vico’, do PV.
BARRAGEM LEGAL
Pré-candidato pelo Republicanos, o presidente da Câmara Municipal de Marília, Eduardo Nascimento, recorreu a um projeto de lei complementar que revogava a concessão, pautado na sessão da última segunda-feira (20)
A proposta, barrada por ampla maioria (10 a 3), chegou ao plenário sem parecer jurídico e, além de questionada em sua constitucionalidade, foi avaliada como oportunista pela maioria dos vereadores.
“Lá se vão 12 anos de luta para tentar impedir a entrega desse valioso patrimônio público para a iniciativa privada. Respeito quem pensa de forma contrária, mas este é o nosso posicionamento”, afirmou Nascimento no Pequeno Expediente da sessão ordinária de segunda-feira (20).
Tivesse sido enviado pelo próprio Executivo e aprovado pelo plenário, o mesmo projeto de lei complementar proposto por Nascimento engavetaria a concessão sem qualquer discussão jurídica quanto à origem da autoria.
INDENIZAÇÃO
Da mesma forma, se eleito(a) for, o(a) próximo(a) prefeito(a) de Marília que seja contrário à concessão, poderá agir de ofício para revogar a legislação permissionária da concessão e extinguir o contrato que esteja vigente.
Neste segundo caso, a Lei de Licitações e Contratos Administrativos aponta nove situações específicas – dentre elas, “razões de interesse público, justificadas pela autoridade máxima do órgão ou da entidade contratante”. No caso, o(a) prefeito(a).
O ato pode ser unilateral, consensual ou decisão arbitral. Em caso de culpa exclusiva da administração, a empresa contratada será “ressarcida pelos prejuízos regularmente comprovados que houver sofrido”.
Ainda segundo a mesma legislação, a extinção contratual incluiria a devolução da garantia – R$ 4 milhões, segundo edital da concessão em análise – e pagamentos devidos pela execução do contrato até a data de extinção e do custo de desmobilização.
Ou seja: a próxima administração que seja contrária à concessão do saneamento básico da cidade pode ter que decantar recursos dos cofres públicos para cancelá-lo enquanto tente extrair alguma solução estatal e eficiente à gestão da autarquia.
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