CORAÇÃO NO LAUDO
- Rodrigo Viudes
- 26 de set.
- 3 min de leitura
Perícia necroscópica aponta para isquemia miocárdica não inclusa entre causas oficiais da morte de Josi Dias. Diferença entre documentos pode trazer implicações jurídicas. Defesa fala em “todas medidas judiciais” meses após prefeitura arquivar sindicância contra ABHU

Duzentos e cinquenta e seis dias após bater pela última vez, o coração de Josiane Gomes Pelegrin Dias (1983-2025) voltou a palpitar dúvidas sobre as causas de sua morte ocorrida em 9 de janeiro, na Unidade de Pronto Atendimento (UPA), da zona norte de Marília.
O caso provocou comoção após Josi Dias, como era conhecida, gravar em vídeo a situação em que estava – isolada em uma sala, suja de urina e fezes – menos de quatro horas antes de ser declarada oficialmente morta.
Na certidão de óbito, registrado cinco dias depois, foram anotados como motivos “insuficiência respiratória aguda, broncoaspiração – supostamente, com o próprio vômito, segundo apurou o blog – e obesidade”.
O laudo pericial do exame necroscópico feito pelo Instituto Médico Legal (IML) na segunda-feira (22) apontou para mais uma eventual causa. “Aspectos histológicos favorecem o diagnóstico de isquemia miocárdica aguda, em vítima portadora de cardiopatia isquêmica crônica”, concluiu.
Ou seja, pela análise de características microscópicas de células e tecidos é possível supor a ocorrência de redução drástica de fluxo de sangue no músculo cardíaco em uma pessoa com doença no órgão.
O coração e partes do pulmão e do fígado foram extraídos do corpo de Josi Dias em exumação realizada em 22 de março, no Cemitério Municipal de Pirajuí (SP), e examinados no Núcleo de Anatomia Patológica do IML, em São Paulo.
IMPLICAÇÕES JURÍDICAS
A diferença entre as informações registradas no laudo necroscópico e na certidão de óbito pode trazer implicações jurídicas. A suposta omissão de um problema cardíaco, como a hipótese de infarto, interfere em diferentes áreas do Direito.
No campo cível e previdenciário, a causa da morte é fator determinante para a liberação de indenizações de seguros de vida ou benefícios de pensão por morte. Josi Dias deixou três filhos menores – dois deles, especiais.
A inconsistência entre documentos pode levar seguradoras ou órgãos previdenciários a contestar pagamentos, exigindo que familiares recorram ao Judiciário para comprovar a real causa do falecimento.

A ausência de referência ao quadro cardíaco na certidão pode dificultar a identificação de falhas e, em situações mais graves, abrir espaço para acusações de fraude documental contra profissionais de saúde que atenderam Josi Dias. No campo criminal, a não inclusão de informação pode levantar suspeitas de tentativa de ocultação da causa da morte.
Nesses casos, haveria possibilidade de enquadramento em crimes contra a fé pública, como falsidade ideológica, além de repercussões em eventuais inquéritos de homicídio culposo por omissão de socorro.

REAÇÃO JUDICIAL
Em nota, o escritório Dantas & Santana, que representa a família de Josi Dias, afirmou que “todas as medidas judiciais no âmbito criminal, cível e também administrativo, junto ao Conselho Regional de Medicina do Estado, serão tomadas”.
O laudo necroscópico foi incluso em inquérito de processo que já tramita, em segredo de justiça, na 2ª Vara Criminal de Marília, movido pelo escritório contra médicos, a gestora da UPA, a Associação Beneficente Hospital Universitário (ABHU), e a Prefeitura de Marília.

Em entrevista exclusiva ao blog, a diretoria superintendente da ABHU, Márcia Mesquita Serva Reis, negou ter havido negligência no atendimento a Josi Dias, mas alegou “não saber detalhes”.
A Prefeitura de Marília, por sua vez, arquivou sindicância investigativa após comissão concluir “com base nos depoimentos prestados por testemunhas” que “não houve negligência ou imprudência no atendimento”, segundo portaria publicada em 30 de maio.

Josi Dias era servidora pública municipal. Ainda em janeiro, menos de um mês após sua morte, o Instituto de Previdência do Município de Marília (IPREMM) concedeu pensão de 80% do salário dividido a cada um dos três filhos.
Em Pirajuí (SP), a família de Josi Dias lamentou o resultado do laudo. “Ficamos tristes por saber como ela morreu e levarem a situação como fingimento [sobre isso, leia aqui]”, declararam. “Esse coração que tanto pulsou vida dentro da Josi vai ser um instrumento de justiça”, concluíram.





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