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DO AMÉM AO AXÉ

Atualizado: 12 de jun.

ANÁLISE: Censos do IBGE reduzem rebanho diocesano católico em um terço enquanto evangélicos triplicam fiéis neste século em Marília. Adeptos de religiões de matrizes africanas aparecem em dobro enquanto os sem religião seguem em alta nas estatísticas oficiais


Catedral São Bento em Marília: apesar de menor, catolicismo ainda é principal religião na cidade e região
Catedral São Bento em Marília: apesar de menor, catolicismo ainda é principal religião na cidade e região

Às vésperas da celebração de seu jubileu de prata episcopal, na primavera de 2007, à frente da Cúria Diocesana de Marília, dom Osvaldo Giuntini viu-se questionado como era conduzir um rebanho cada vez menor.

Sentado à mesa instalada em frente ao altar da Catedral São Bento para atender a imprensa, o bispo respondeu sem alterar sua peculiar serenidade. “Isso não impressiona a gente, mas nos questiona para que trabalhemos com mais profundidade”, disse.

À época, já se estimava uma depreciação no número de fieis católicos ante a última pesquisa oficial do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2000, em que os seguidores da Santa Sé seriam 73,89% da população no país.


A indagação do jornalista – este mesmo – seria respondida, em números, pela pesquisa Datafolha publicada em maio de 2008: os que se declaram católicos agora eram 64% enquanto os evangélicos passaram de 11% para 17%.

O Censo 2010 confirmaria os dados do Datafolha quanto as católicos e elevaria os de evangélicos a 22% no país. Além disso, atualizaria as estatísticas referentes a Marília pela primeira vez neste século.


 

DADOS OFICIAIS

Em 2000, ainda segundo o IBGE, as porcentagens de católicos e evangélicos na cidade seguiam a estimativa nacional, com 73,1% e 16,7%, respectivamente. Os de ‘outras religiões’ eram 5,7% e os sem religião, 4,5%.

A atualização dos dados do instituto em 2010 apresentou uma ligeira retração em relação aos católicos – 135.373 (62,46%) – aumento de evangélicos – 54.985 (25,37%). Havia 7.175 espíritas, 532 adeptos de umbanda e candomblé e 11.428 sem religião.

Na sexta-feira (6), o Censo 2022 trouxe a última fotografia demográfica oficial da religião em Marília: 111.733 católicos (53,3%), 65.543 evangélicos (31,3%%), 6.631 espíritas (3,2%), 1.126 adeptos de umbanda e candomblé (0,5%), 10.465 de outras religiões (5%) e 13.586 sem religião (6,5%).

Fonte: IBGE/Censo 2022
Fonte: IBGE/Censo 2022
“Não houve grandes surpresas. O censo foi de encontro ao que já se esperava”, avaliou o antropólogo Antonio Braga, professor e pesquisador da Faculdade de Filosofia e Ciências (FFC), campus da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Marília.

“Mas é só um retrato, não se registra o fenômeno do trânsito religioso. Um jovem que se identifica hoje com uma religião pode estar em outra igreja no próximo censo, a depender das variáveis da transformação da sociedade brasileira”, ponderou.

 

SEM RELIGIÃO

As imagens dos ritos iniciais católicos de batismo e primeira comunhão perecem ter ficado em um passado pouco distante para Joshua Viudes. Aos 16 anos, ele já se declara como alguém que não se identifica com nenhuma profissão de fé.

“Eu não entendo como tanta gente vai à igreja e faz tanta coisa errada, ou mesmo como Deus permite que uma criança morra de câncer”, diz, longe de estar só em suas angústias e dúvidas quanto ao sagrado.

O adolescente está entre 1.387 da sua faixa etária que se declararam sem religião ao IBGE em Marília um contingente que inclui crianças de dez anos a idosos com mais de 80 anos. Por aqui, é uma questão de não fé para a vida toda.



Desde 2000, a porcentagem subiu de 4,5% a 6,5% da população recenseada, o que se apresenta como uma tendência ascendente. Em todo o Brasil, país mais católico do mundo, já são 16,5 milhões sem profissão de fé – quase um a cada dez habitantes.

 

TERÇO CATÓLICO

Contada entre os 4.881 municípios brasileiros com maioria de residentes declaradamente católicos, Marília registra agora uma porcentagem de seguidores de Leão 14 ligeiramente que a de 56,7%, no país.

Em 25 anos, passados outros três pontificados – João Paulo 2º (1978-2005, Bento 16 (2005-20013) e Francisco (2013-2025) – e um episcopado – dom Osvaldo Giuntini (1982-2013) – a Igreja Católica encolheu um terço, segundo os dados oficiais.

Apesar da presença cristã majoritária, o número de católicos diminuiu em quase todas as 37 cidades que compõe a jurisdição da Diocese de Marília entre 2010 e 2022. As maiores baixas ocorreram em Nova Guataporanga (16,8%) e em Álvaro de Carvalho (16,2%).


Por outro lado, o catolicismo registrou crescimentos de 19,2% em Pauliceia (30,7% a 49,9% da população) e de 24,2% (33% para 57,5%), em Santa Mercedes. São João do Pau D'Alho é cidade mais católica da Diocese de Marília, com 77,57% de fiéis da população.


Paróquia São João Batista, de São João do Pau D'Alho, a cidade mais católica da Diocese de Marília | Pascom
Paróquia São João Batista, de São João do Pau D'Alho, a cidade mais católica da Diocese de Marília | Pascom

Na média geral, 58,76% da população diocesana é católica, segundo consta em nota divulgada neste sábado (7) pelo bispo de Marília, dom Luiz Antonio Cipolini. No documento, ele declara preocupação, “como pastor”, o aumento do número de pessoas sem religião.

“Façamos de nossas paróquias, comunidades e grupos eclesiais, lugares de acolhida sincera a fim de que nos estruturemos cada vez mais como ‘Igreja em Saída’, que vai ao encontro daqueles que estão nas periferias existenciais”, afirmou.

EVANGELISMO MÚLTIPLO

Enquanto a Igreja Católica debruça sobre o encolhimento de seu rebanho comum, as igrejas evangélicas testemunham a multiplicação de fieis. Em Marília, o salto foi de quase um triplo entre os censos de 2000 e 2022.

A publicação de sexta-feira (6) do IBGE não identifica por quais e quantas igrejas o evangelismo cresceu na cidade. Em 2007, eram 227 dos 347 pontos de cultos cristãos espalhados pela cidade, segundo levantamento feito por este jornalista.

Em entrevista ao Marília Noticia, o presidente do Conselho de Pastores Evangélicos de Marília (Conpem), o pastor da Igreja Metodista Livre, Augusto Gonçalves fez sua própria análise aritmética da 'gangorra' de dados entre evangélicos e católicos em Marília.


"Entre o crescimento evangélico contínuo e a queda acelerada do catolicismo, o dado preocupante é o crescimento explosivo do grupo dos sem religião. O fato é que o Brasil está menos cristão", disse.

Pastor da Assembleia de Deus, maior denominação evangélica em Marília em número de igrejas e fiéis, o psicanalista e jornalista, Richard Medeiros, questiona o crescimento “qualitativo” do evangelismo.


Pastor assembleiano, Richard Medeiros: "crescimento de evangélicos não é mesmo que do Evangelho"
Pastor assembleiano, Richard Medeiros: "crescimento de evangélicos não é mesmo que do Evangelho"
“Os evangélicos estão na moda, mas o evangelho, não”, disse. “Hoje se oferece aquele que proporciona sensações, emoções, experiências de cinema, teatro, música, e como se dar bem na vida. Até falam de Jesus Cristo, que segue do lado de fora das igrejas”, afirmou.

Ainda em 2008, o pastor Domingos Jardim da Silva, da 1ª Igreja Batista de Marília – cujo templo, o maior da cidade, tem capacidade para até três mil pessoas sentadas – já questionava a quantidade de denominações evangélicas na cidade.



“É uma colcha de retalhos, com homens que defendem seus negócios e ideologias”, declarou o pastor ao Especial Religiões, produzido por este jornalista e publicado na edição natalina do Jornal da Manhã, com direito a manchete: “Marília tem um ponto de culto ou doutrina para cada 600 pessoas”.

A diversidade de cultos – tradicionais, pentecostais, neopentecostais e contemporâneos – pode ser encontrada às centenas em templos espalhados por Marília – a atualização de localização será publicada em breve, não pelo IBGE, mas por este blog.

 

FÉ PÚBLICA

Embora citados como apenas 0,5% entre aqueles que declararam a fé em Marília, os adeptos de religiões de matrizes africanas – no caso, candomblé e umbanda – representam o grupo que mais cresceu desde 2000.

O aumento no número daqueles que passaram a professar as religiões dos orixás e das entidades mais do que dobrou: de apenas 532, na virada do século, para 1.126, segundo o censo divulgado na sexta-feira (2).

“Muitos já estavam inseridos e não abraçavam publicamente devido o preconceito”, afirmou o pai Kaya de Yemanjá, dirigente do terreiro Ile Axé Omin D’Euya de candomblé e umbanda, do Jardim Lavinia, na zona norte.

Na sua visão, as pessoas procuram os terreiros por “falta de acolhimento, inclusive na diversidade”. “Meu público é bem diversificado. Desde pessoas menos abastadas a juiz, delegado. Tem empresário que não fecha negócio sem passar uma consulta de búzios”, citou.


Pai Kaya de Yemanjá, dirigente do terreiro Ile Axé Omin D’Euya de candomblé e umbanda
Pai Kaya de Yemanjá, dirigente do terreiro Ile Axé Omin D’Euya de candomblé e umbanda

Mãe Elisa, do Templo das Águas de Yemanjá, reforçou o entrave do preconceito como inibidor da prática dos cultos de candomblé e da umbanda em Marília, inclusive em espaços públicos, a exemplo de comunidades cristãs.

“Dias atrás, estava fazendo um trabalho em uma área livre. A pessoa passou por perto, parou o carro e ficou gritando, como se estivéssemos fazendo algo errado”, relatou. “O culto precisa ser respeitado”, frisou.
Mãe Elisa, do Templo das Águas de Yemanjá: "O culto precisa ser respeitado"
Mãe Elisa, do Templo das Águas de Yemanjá: "O culto precisa ser respeitado"

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