Dos 'púlpitos de rua' ao fórum, a sentença que calou o padre que defendeu andarilhos, estimulou fiéis à cidadania, virou até 'prefeitável' mas caiu no pecado da injúria
Dez de outubro de 2015. Cinco dias após o então prefeito de Marília - e atual deputado estadual - Vinícius Camarinha (PSB) anunciar o interesse em conceder os serviços do Departamento de Água e Esgoto de Marília (DAEM) para a iniciativa privada, um grupo formado majoritariamente por membros do movimento católico 'Marcha da Cidadania' reuniu-se em protesto no centro da cidade.
Além de fiéis, políticos, sindicalistas e curiosos, que não somaram número suficiente para ocupar toda a 'ilhota' em frente ao atual Shopping Atenas, formada pela confluência entre a rua 9 de Julho e avenida Tancredo Neves, a mobilização contou com a presença do padre Edson de Oliveira Lima, então pároco da Paróquia Sagrada Família de Marília e única voz do presbitério diocesano na 'Marcha'.
Como de costume, o sacerdote também fez o uso da palavra e criticou os vereadores, classificando-os de "paus mandados", "que vendem e se vendem" e "que não têm autonomia e moralidade". As palavras mais duras ainda, no entanto, ficaram reservadas ao prefeito, a quem chamou de 'Mentirinha', em uma sátira ao sobrenome Camarinha do então chefe do Executivo:
"(É) um cara que não soube trabalhar com a dengue e nós sofremos. Falou que vai ajudar o pessoal da tempestade, e eles estão abrigados nas casas dos parentes. Mentirinha! O nome do nosso prefeito é Mentirinha! É um canalha! É um sem vergonha! É um safado! É um ladrão! Eu não falo mais nada, porque daqui a pouco eu recebo intimação pra ir pro Fórum", afirmou o padre.
E recebeu mesmo, em agosto de 2016, para comparecer em audiência preliminar. O prefeito ofereceu queixa-crime contra o padre. Além de arrolar testemunhas, a defesa de Vinícius Camarinha encaminhou à justiça um vídeo com registro das ofensas publicado pelo 'Hora H Notícia' que, pelo menos até a publicação deste post, seguia disponível em sua página no Facebook:
CONDENAÇÃO
Segundo os autos do processo, a que o blog teve acesso, o padre afirmou que "a gravação de parte do seu discurso não relatou todo o contexto do sua manifestação, motivo que fez aparentar suas palavras ser direcionadas unicamente ao querelante (o prefeito, no caso)". Ele afirmou ainda que "as palavras ofensivas proferidas demandaram de sua indignação à gestão administrativa do município".
As argumentações do padre não convenceram o juiz da 1ª Vara Criminal de Marília, José Augusto Franca Júnior. "Os depoimentos colhidos em audiência comprovam a autoria e a materialidade delitiva, corroborando a versão apresentada na queixa-crime. Assim, incogitável o acolhimento das teses de defesa, porquanto restou absolutamente provada a conduta que o ofendido imputa ao querelado".
Ouvidas as partes, o juiz publicou sua sentença em agosto de 2017: condenou o padre a oito meses de reclusão pelo crime de injúria em regime aberto, com pena convertida na prestação de serviços à comunidade. A defesa do sacerdote recorreu ao Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP) que, por sua vez, indeferiu recurso em fevereiro deste ano.
A última derrota foi publicada nesta sexta-feira (22) no Diário da Justiça Eletrônico (DJE). A exemplo do que havia ocorrido em 2017, foi negado o recurso encaminhado ao Colégio Recursal da Justiça de Marília, que pedia a remessa dos autos de volta ao TJ. "Diferentemente do alegado (pela defesa do padre), o acórdão transitou em julgado em 27 e não em 30 de agosto de 2019, ressaltando que a contagem do prazo no processo penal é em dias corridos", informou a justiça.
NULIDADE X INDENIZAÇÃO
Procurada pelo blog, a defesa do padre informou que ainda há recursos pendentes na segunda instância. "Estamos aguardando análise do pedido de nulidade do julgamento", afirmou o advogado Otavio Augusto Custódio de Lima. "O colegiado que analisou o recurso não estava com a composição correta", argumentou. "Exigências da lei para a escolhas dos juízes não foi respeitada".
O advogado afirmou ainda que seu pedido de nulidade do julgamento "está baseado na ofensa ao principio da constituição que garante a manifestação do pensamento porque não houve qualquer ataque à pessoa, mas crítica à figura do gestor público da época", afirmou.
Por outro lado, a defesa do deputado estadual Vinícius Camarinha (PSB) também não deu o caso por encerrado. O advogado Luccas Daniel de Souza Ferreira confirmou ao blog que o próximo passo é uma ação por danos morais contra o padre. "Será pedida indenização sim", afirmou.
ARQUIVADO
A rotina judiciária do padre Edson de Oliveira Lima vem desde 2014. Uma funcionária pública municipal o acusou de tê-la empurrado e xingado durante o desfile de 7 de Setembro do ano anterior. Segundo a versão dela à época, o sacerdote teria insistido para 'furar' a ordem do desfile. O padre negou a agressão.
Incurso nos delitos de vias de fato e crime contra a honra, o padre viu a sua suposta vítima renunciar ao direito de queixa. O caso acabou arquivado e ele teve extinta a punibilidade. Encerrada a audiência, ele foi recebido com festa por fiéis e amigos que aguardavam do lado de fora do Fórum. Veja vídeo do 'Hora H':
"Que a gente continue neste processo de discussão sobre a direção em que vai nosso município. Porque essa foi uma situação que não deveria chegar aqui. Os problemas maiores precisam ser discutidos. Nós não podemos abdicar do processo de sermos protagonistas da história deste município", discursou o padre.
PROTAGONISMO
Àquela altura, o próprio padre já era sinônimo de protagonismo, dentro e fora da igreja. A sua postura combativa à época entusiasmou os colegas de batina a escolhê-lo como um dos membros do Conselho de Presbíteros da Diocese de Marília, ainda na primeira metade da década.
De volta de Roma (Itália), em julho de 2012, o sacerdote assumiu a Paróquia Sagrada Família de Marília, uma das menores da cidade, e agigantou-se, em pouco tempo, na atuação social. Ele foi o primeiro padre da cidade - e praticamente o único, salvo raras outras aparições - a se posicionar, em 2013, na defesa pública de andarilhos vítimas de tortura e expulsão de Marília por agentes públicos municipais.
Começou ali o embate dele contra a gestão de Vinicius Camarinha. O padre instituiu uma pastoral de pessoas em situação de rua em sua paróquia para acompanhar diariamente a situação e mobilizou os fieis de tal modo a denunciar outras mazelas da administração e da cidade. Da reza às ruas foi apenas um passo para a instalação da 'Marcha da Cidadania'.
O espetáculo da 'igreja em saída', desejado pelo próprio papa Francisco em sua primeira exortação apostólica, tornou-se uma boa nova para a Diocese de Marília, inclusive na mídia. Em março de 2013, "a nova cara e voz da Igreja Católica contra a injustiça social em Marília" foi a capa da Revista D Marília, uma das mais importantes do interior paulista.
Ao centro da foto - e das atenções - Edson ganhou a companhia de outros dois padres, então engajados por sua influência: o recém-formado Danilo Nobre dos Santos e o então 'vizinho' Ademilson Luiz Ferreira. Santos é atual administrador paroquial de Nossa Senhora Rosa Mística, de Marília e Ferreira pároco das paróquias São José, de Panorama (SP) e Nossa Senhora das Mercês, de Santa Mercedes (SP).
PREFEITO? NÃO!
À medida que discordava do modus operandi da gestão municipal, o padre Edson atraiu, naturalmente, a atenção e a companhia de políticos e partidos de oposição. À beira de sua visibilidade encostaram, entre muitos outros, dois dos candidatos derrotados ao cargo de prefeito nas eleições municipais de 2012: os empresários Daniel Alonso (PSDB) e Antonio Augusto Ambrosio, o Tato (PMDB).
O fato é que nenhuma figura política tinha o discurso tão aderente às diversas camadas do eleitorado mariliense quanto o padre que, de microfone em mãos, entre a oração e a crítica, parecia fazer do 'púlpito das ruas' seu 'pré-palanque' às próximas eleições municipais de 2016.
Apesar de reconhecer a potencialidade de uma eventual candidatura, o padre não levou a ideia em diante. Em vez de candidato tornou-se o principal cabo eleitoral da parceria Daniel-Tato que ajudou a costurar e a eleger. Ainda hoje, diante das várias dificuldades do governo atual - a começar pela ruptura entre prefeito e vice - o nome do padre costuma ser lembrado por aqueles que ele criticou em um passado recente em Marília.
SILÊNCIO
O padre saiu de cena ainda no primeiro ano da nova gestão municipal. Em dezembro de 2017, recém condenado por injúria, Edson entraria na lista de transferências de fim de ano da Diocese de Marília. Coincidência ou Providência, ele havia acabado de completar seis anos regulares à frente da Sagrada Família e, por praxe, foi encaminhado para outra comunidade.
O bispo dom Luiz Antonio Cipolini o enviou às paróquias de Nossa Senhora Aparecida de Paulópolis, distrito de Pompeia e de Quintana (SP), distante pouco mais de 30 quilômetros de Marília. Edson encontrou duas comunidades em frangalhos financeiros e estruturais e não demorou muito para recuperar a credibilidade - a começar pela prestação de contas.
Procurado pelo blog, o padre Edson preferiu o silêncio. Já o ex-prefeito e atual deputado Vinícius Camarinha (PSB) se manifestou por sua assessoria de imprensa: "Se fez justiça, contra palavras ofensivas pronunciadas, infelizmente, por um padre".
O sacerdote tem cinco dias, a contar do recebimento da notificação por oficial de justiça, para se apresentar - no caso, na Justiça de Tupã (SP) - para início do cumprimento da pena de prestação de serviços.
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