PARADA OBRIGATÓRIA
- Rodrigo Viudes
- há 3 dias
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Atualizado: há 2 horas
ANÁLISE: Denúncia de jornalista expõe ineficiência da fiscalização da Emdurb no transporte coletivo de Marília. Câmara estaciona em audiência pública em vez de seguir apuração de ofício por CPI. Condução política de concessão impacta na qualidade de serviço pago exclusivamente por usuários em desembarque nas estatísticas

Enquanto aguardava pela chegada do presidente da Empresa Municipal de Mobilidade Urbana de Marilia (Emdurb), Paulo Alves, na manhã de terça-feira (20), o jornalista Fernando Garcia resolveu checar as placas dos ônibus que chegavam e partiam no Terminal Coletivo Urbano.
A prática é comum aos repórteres que se dedicam à cobertura policial. Basta recorrer a aplicativos gratuitos no Google e acrescentar o número da placa para saber, pelo menos, a data de fabricação do veículo.
Foi o suficiente para o repórter da TV Record Paulista e das rádios Clube e Itaipú perceber estar rodeado por veículos com até 14 anos de fabricação, uma década acima da média permitida pela lei municipal que regulamenta o transporte coletivo urbano em Marília.
Somente após a checagem do jornalista, a informação passou a ser apurada pelos fiscais da Emdurb. “A gente já está notificando as empresas para fazer a retirada desses veículos de forma urgente”, afirmou depois Paulo Alves.
No dia seguinte, o prazo concedido pela Emdurb foi ampliado para três dias. No começo desta semana, ônibus flagrados pela reportagem ainda trafegavam normalmente pela cidade, como se nenhuma fiscalização tivesse ocorrido.
Na terça (27), o diretor da Emdurb já dizia que “neste caso, não falamos (mais) em prazo”. “Estamos remetendo para a procuradoria do município proceder no melhor entendimento sobre incongruências contratuais”, afirmou.
Em resposta ao blog, a Prefeitura informou estar “averiguando e analisando as informações que constaram do relatório de fiscalização da Emdurb para a análise e a tomada de providências, inclusive, e se for o caso, na esfera correcional”.
OMISSÃO
As concessionárias Grande Marilia e Sorriso de Marilia já descumpririam a média de fabricação exigida pelo contrato de concessão desde, pelo menos, 2022, segundo listagem das frotas a que o blog teve acesso.
Os dados fornecidos pelas próprias empresas à Emdurb indicam que a frota da Grande Marília tinha média de uso de 8,3 anos – mais do que o dobro permitido por lei – e da Sorriso de Marília, 11,6 anos, quase três vezes acima, ainda segundo as listas.
Após a publicação deste post, a Sorriso de Marília informou ao blog que 12 dos veículos fabricados em 2013 não estavam mais em operação. A empresa esclareceu ainda que sua média atual de frota é de oito anos.
Na planilha da Sorriso de Marília, por exemplo, 35 dos 50 ônibus com placas ‘FDB’ estavam como ‘ano/modelo’ 2013. No entanto, a fabricação é de 2011, segundo checagem feita através do Sinesp Cidadão, do Governo Federal.

Ou seja, a Emdurb já tinha documentado, há pelo menos três anos, que havia dezenas de veículos do transporte coletivo urbano trafegando na cidade à margem do contrato de concessão que cabia a ela própria fiscalizar.
Ao “retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei”, conforme se lê no artigo 319 do Código Penal, se dá o nome de prevaricação. A pena é de três meses a um ano, e multa.
IMPACTO SOCIAL
Considerando ainda a listagem entregue pelas empresas, deveriam ser retirados de circulação 49 ônibus – 35 da Sorriso de Marília e 14 da Grande Marília – todos por prazo de validade vencido, segundo o contrato.
Ou seja, praticamente a metade dos 100 ônibus que as concessionários devem operar, de acordo com concessão, nas zonas norte e leste, pela Grande Marília, e sul e oeste, pela Sorriso de Marília – inclusos todos os distritos – com 50 veículos, cada uma.

O cumprimento imediato da regularização determinada pela Emdurb afetaria a rotina de cerca de 25 mil usuários do serviço, segundo estimativa atual de passageiros informada pela Associação Mariliense de Transporte Urbano (AMTU).
Enquanto isso, os ônibus ‘vencidos’ seguem trafegando normalmente pela cidade, a exemplo deste da Grande Marília abaixo, flagrado pelo blog na noite desta terça-feira (27) em operação na zona leste.

O veículo marca Mercedes Benz foi fabricado em 2014, segundo checagem de placa pela lista entregue pela própria empresa à Emdurb. Ou seja, acima do limite permitido pelo contrato de concessão.
CONTEXTO POLÍTICO
Apesar das evidências de omissão ocorridas na Emdurb que, agora, tem tomado providências, ainda que alertada por um jornalista, a nova gestão municipal não se posicionou, formalmente, sobre a concessão do transporte coletivo urbano.
O saneamento básico, concedido em setembro de 2024, está sob intervenção do município desde 25 de fevereiro. O prefeito Vinicius Camarinha (PSDB) alegou, por exemplo, “graves falhas na prestação dos serviços”.
Em entrevista ao Programa ‘Fala Cidade’ das rádios Clube e Itaipu, na quarta-feira (21), Vinicius afirmou que acompanhará a “troca da frota” sob pena de “rompermos os contratos e aplicarmos as multas devidas”.

Questionado sobre as providências tomadas por Paulo Alves pelo apresentador Amarildo de Oliveira, Vinicius desconversou. Motivo: o diretor da Emdurb estaria ‘balançando’ no cargo, segundo análise publicada neste mês pelo Marília Noticia.
O portal argumenta que o prefeito não teria ficado satisfeito com a condução do diretor na transferência temporária do Terminal Urbano ocorrida em março. O blog expôs o improviso e os riscos a que os passageiros foram submetidos.
AUDIÊNCIA X CPI DA EMDURB
A fiscalização do transporte público repercutiu na sessão camarária de segunda-feira (26). Dois requerimentos com pedidos de informações à Emdurb foram incluídos na pauta, mas apenas um, do presidente Danilo da Saúde (PSDB), foi votado e aprovado no tempo regimental.
“Não foi só uma fiscalização que identificou um veículo com mais de dez anos de uso. A empresa informou uma outra data, o que é pior, por má fé. É muito mais grave do que a gente imagina se este fato se comprovar”, afirmou o chefe do Legislativo.
No início de abril, o plenário aprovou, por unanimidade, requerimento do vereador Galdino da Unimar (Cidadania) para realização de audiência pública do transporte coletivo, ainda sem data para ser realizada.

Na sessão de segunda-feira (26), o vereador afirmou que ainda estaria analisando a “viabilidade legal” da convocação dos representantes das concessionárias. “Não podemos fazer papel de bobo”, disse.
Segundo o artigo 50 da Constituição Federal apenas membros do Executivo devem comparecer às convocações. O princípio consta da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6.651 de 2022 do Supremo Tribunal Federal (STF).
Se, de fato, quiserem a presença dos concessionários do transporte público no plenário, os vereadores devem recorrer à instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), pela qual terão suporte judicial, caso seja necessário.
Além das oitivas, os membros da CPI poderiam fazer vistorias, requisitar documentos e ir além das alegações das empresas, na apuração da causa que provocou o fato determinado, a saber: a negligência da fiscalização dos ônibus pela Emdurb.

A investigação parlamentar, se interessada, avançaria na apuração de eventuais atos ilícitos cometidos por dirigentes e servidores da autarquia, além de revelar informações negligenciadas ao público sobre o transporte coletivo.
Ainda que ocupada por ampla maioria governista a investigar órgão do próprio governo, a instalação de uma ‘CPI do Transporte Coletivo’ abriria dois flancos de oportunidade política para ambos os poderes municipais.

Sob nova direção, o Executivo incluiria a Emdurb em sua pauta de transparência da gestão pública – um dos motes eleitorais de Vinicius –, trazendo à luz da opinião pública autarquia recorrente na negligência do acesso à informação.
Por ora, se quisesse, Vinícius já poderia ter recorrido à intervenção no transporte coletivo urbano, como já fizera no saneamento básico, mas com uma diferença: ter que assumir as despesas da operação do serviço.

A justificativa contratual ainda pode ser flagrada nas ruas: “não atendimento de intimação (...) de retirar de circulação veículo julgado em condições comprovadamente inadequadas para o serviço”. No caso, ônibus com mais de dez anos de fabricação.
O Legislativo, por sua vez, comprometido com a instalação de uma CPI do setor, arrastaria para si o protagonismo de um processo investigativo, pelo qual possa atrair a atenção do eleitorado, sobretudo do usuário do transporte público, a um raro ato de ofício: a fiscalização.
Mais do que a necessidade dos votos de dois terços do plenário, a instalação de uma ‘CPI do Transporte’ demandaria alinhamento político entre os dois poderes. Ascendente em ambos, o prefeito decidirá entre esclarecer ou calar a apuração sugerida pela Câmara Municipal.
VIAS DE CONCESSÃO
Os contratos de concessão do transporte público em Marília com a Grande Marília e a Sorriso de Marília estão em vigor desde 27 de dezembro de 2011, assinados pelo então prefeito, Mario Bulgarelli.
No entanto, as duas concessionárias vencedoras só atuaram com exclusividade a partir de junho de 2013 com a retirada definitiva, por força judicial, da Empresa Circular de Marília (ECM), que operava o serviço desde 1973.
Por esse motivo, o entendimento das empresas é que o contrato não termine em 26 de dezembro de 2026, conforme consta nos contratos, mas um pouco além, o que poderá demandar ações judiciais.
Enquanto ainda perdurava o imbróglio de três empresas operando em vez de duas, a Prefeitura de Marília efetuou a primeira atualização da tarifa, em maio de 2013, no início da primeira gestão de Vinicius Camarinha (PSB, na época).
No caso, o prefeito recuou o valor de R$ 2,30 para 2,15. Em 2014, reajustou duas vezes: em fevereiro, para R$ 2,50 e, em dezembro, para R$ 2,85. Em 2015, no penúltimo ano de governo, Vinicius corrigiu o preço da passagem para R$ 3,00.
Em 2017, assumiu Daniel Alonso (PSDB, na época). Ele só reajustaria a tarifa pela primeira vez em 2019, para R$ 3,80. Depois, apenas em 2021, no primeiro ano do segundo mandato, para R$ 4,50 e, pela última vez, em 2024, para o valor atual de R$ 5,75.
Ou seja, desde o início da concessão, as gestões municipais descumpriram o reajuste anual previsto em contrato cinco vezes. O aumento do valor visa manter o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos.
O índice de reajuste é calculado por dados variáveis fornecidos pelas empresas de reajuste salarial, custo com combustíveis e lubrificantes. O Sistema Auxiliar de Fiscalização do Transporte Coletivo Urbano de Marília é quem define a nova tarifa a ser confirmada pelo prefeito.

Do inicio da concessão até hoje a tarifa subiu 167,4%. O sistema é mantido exclusivamente pelo usuário – não há previsão contratual do pagamento de subsídio pela Prefeitura de Marília em ambos os contratos.
Em 2011, no processo licitatório, o anexo do edital calculava em 53,5 mil o número de passageiros por dia. Em 2024, o sistema já não transportaria mais do que 15 mil pagantes, segundo informaram as empresas.

Pelo menos 26% dos passageiros que custeiam o transporte coletivo não teriam retornado mais aos ônibus, segundo consta no último decreto de reajuste publicado em 27 de fevereiro do ano passado.
Por contrato, cada empresa deve fornecer, todo mês, 15 mil passagens a alunos carentes, cujo valor é suprimido a que está obrigada a repassar à Prefeitura de Marília, de 1% do total arrecadado no período, a título de remuneração pela concessão.
A legislação municipal determina que as empresas ofereçam transporte gratuito a usuários abaixo de cinco anos e acima de 60, pessoas com deficiência, atiradores, carteiros e policiais militares; e ainda isenção de 50% a estudantes e professores.

Segundo apurou o blog, somente as gratuidades correspondem a 35% do fluxo de passageiros. Na contramão da redução da receita, as empresas informaram impacto atual do diesel em 30% do custo e aumento na oneração da folha de pagamento.
Ainda assim, a Sorriso de Marília encaminhou à Prefeitura de Marília, em abril, a solicitação para aquisição de novos ônibus. A documentação só foi liberada na semana passada, após a denúncia dos veículos antigos ainda em uso.
“Objetivo é dar entrada e reservar o recurso para posterior aplicação. No entanto, é importante ajustar o equilíbrio, que entendemos ser necessário, pois a tarifa já não suporta o custo do sistema”, informou ao blog o diretor Alexandre Santiago.
Não há previsão de novo reajuste no valor das tarifas do transporte público. Pelo contrato, a referência para correção é setembro, mês da apresentação da proposta. Até lá, quem paga pelo serviço continua a embarcar nos ônibus que o sistema permite, enquanto passa pela reforma do Terminal Urbano – por ora, sem ter onde se sentar para esperar.
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