Padres da Diocese de Marília recebem cópias de decreto que os obrigam a denunciar casos de abusos sexuais. Acusações por leigos aguardam novo sistema na Cúria
Quase dois meses depois da publicação do decreto do Papa Francisco que obriga os religiosos a denunciarem casos de abuso sexual na Igreja Católica, a Diocese de Marília distribuiu cópias do texto ao clero na última sexta-feira (28), 'Dia da Santificação Sacerdotal', em encontro realizado em Adamantina (SP).
Tradicionalmente realizado por ocasião da solenidade do Sagrado Coração de Jesus, o encontro costuma ser reservado para reflexões do clero. Apesar da quantidade de padres nas 'imagens oficiais' do evento no site e nas redes sociais da diocese, nem todos os sacerdotes estiveram presentes.
As cópias foram entregues individualmente. Cada padre assinou seu nome em uma lista para comprovar o recebimento do documento, segundo orientação do bispo de Marília, dom Luiz Antonio Cipolini. A distribuição do decreto aos padres não foi divulgada pela diocese, pelo menos até a publicação neste blog.
ALVO HIERÁRQUICO
A iniciativa do bispo vai além do propósito de conscientizar seu presbitério sobre a importância ou necessidade da santificação. Mais do que uma cópia - acessível pelos meios digitais, por exemplo - ele confidenciou aos padres seu comprometimento na aplicação do decreto papal.
Em tese, dom Luiz compartilhou com cada um dos padres o compromisso, assumido e assinado por eles, de que eventuais acusações de crimes eventualmente praticados na Diocese de Marília sejam imediatamente comunicadas às autoridades eclesiais, como reza a nova norma de Francisco.
E isso vale para o próprio bispo, seja qual for: qualquer padre pode denunciá-lo diretamente ao Vaticano se, por exemplo, notar qualquer movimentação episcopal de proteção a algum colega de batina que tenha sido acusado em um ou mais casos de pedofilia, e ainda assim, siga 'escondido' no presbitério.
NA ESPERA
Além de escutar os próprios padres, o decreto foi criado para acolher, principalmente, denúncias feitas por leigos, entre os quais se encontra a maioria esmagadora das vítimas de crimes sexuais praticados por clérigos. A norma é clara: é dever da autoridade eclesial oferecer "assistência médica, terapêutica e psicológica de acordo com o caso específico".
Outra exigência é a celeridade na apuração dos fatos. O limite é de 90 dias, prorrogáveis quando necessários. Ainda segundo o decreto, as dioceses, seja individualmente ou em conjunto, devem oferecer um ou mais meios de fácil acesso para que os leigos possam formalizar eventuais denúncias. O prazo termina em maio de 2020.
Até a divulgação deste post, a Diocese de Marília ainda não havia divulgado a criação ou instalação de nenhum sistema para acolher eventuais casos de assédio sexual sob sua jurisdição. Por ora, quem atende esses casos é o próprio bispo. O decreto ampliou essa abordagem para um grupo, formado por "pessoas qualificadas" para apoiá-lo nas investigações.
EXPERIÊNCIA PRÓPRIA
A instalação de um canal direto para a apresentação de denúncias na Diocese de Marília pode, inclusive, encorajar quem queira formalizar uma acusação ou, ao menos, buscar algum conforto e contribuir no esclarecimento de casos que tenham sido praticados a qualquer tempo.
Este blog é exemplo disso. Em dezembro de 2018, foi publicado um post com os números de um contato telefônico e de um aplicativo de troca de mensagens para que "a Cúria, o clero e os fiéis" pudessem contribuir através de "informações, esclarecimentos e denúncias", mesmo que no anonimato.
Chegou de tudo. Palpites, sugestões, críticas. E, claro, muita informação, checada uma por uma. Inclusive de gente que não encontrou a acolhida que esperava quando procurou a própria igreja.
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