Transferências e nomeações mexem tabuleiro do presbitério da Diocese de Marília. Movimento do bispo prestigia ‘cavalos’ e ‘peões’. Xeque-mate é jogada rara no atual episcopado. Confira o vai-e-vem dos padres para 2021.
Porta-voz do Rei e representante da rainha na coluna de 270 quilômetros entre Garça (SP) e Panorama (SP), a Torre cede a preferência, ao menos uma vez ao ano, para que o bispo, de ofício, movimente-se à vontade dentro de seus limites diagonais.
Em uma só investida, ele desloca cavalos e peões e altera o tabuleiro o quanto desejar, de modo a beneficiar a todos, pelo bem da dama, mesmo que, por vezes, incorra no risco de constranger o Rei.
Esta ‘abertura do bispo’, embora estranha à regra do jogo, segue a dinâmica canônica, que orienta, por exemplo, as circulares de nomeações e transferências de padres, como a divulgada na última terça (17) pela Diocese de Marília. Confira abaixo:
REGRAS CANÔNICAS
À luz do tabuleiro canônico, é do bispo a incumbência de conduzir seu próprio xadrez diocesano. É dele a palavra final de quem fica, vai, vem ou volta, sob a orientação das próprias peças que movimenta.
“Antes de decidir e referendar as nomeações e transferências, consultei o Conselho Diocesano de Presbíteros e os próprios padres envolvidos no processo das mudanças”, escreveu o bispo de Marília, Dom Luiz Antonio Cipolini, em sua circular.
O mesmo conselho deve ser consultado, por exemplo, no caso da remoção de padres, “quando, por qualquer causa, mesmo sem culpa grave do pároco, o seu ministério se tiver tornado prejudicial ou, pelo menos, ineficaz”, segundo determina o cânon 1740.
PEÇAS REMOVÍVEIS
A condição de ‘removível’ se enquadra a padres que, ainda segundo o Direito Canônico, incorram em “perturbação à comunhão eclesiástica”, “imperícia ou doença permanente mental ou corporal”, “perda de boa estima perante os paroquianos”, “grave negligência ou violação dos deveres paroquiais” ou “má administração dos bens temporais com dano grave à igreja”.
A última circular não traz nenhuma menção a eventuais incorreções pastorais ou pessoais que qualquer um dos 16 sacerdotes transferidos possa ter cometido. A isso, no entanto, resta o juízo de cada uma das comunidades de origem, cuja administração e reputação religiosa e moral de seus padres, cada uma bem as conhece.
É o caso, por exemplo, do padre Wilson Luís Ramos, agora a caminho de Ouro Verde (SP). Em 2014, quando era pároco em Adamantina (SP), Ramos foi vítima de racismo. O bispo alegou “divisão da igreja” e o transferiu para Dracena (SP), apenas um ano e dez meses após tê-lo nomeado pároco de Santo Antônio.
XEQUE-MATE
Entre várias denúncias já apresentadas contra padres da Diocese de Marília, dom Cipolini aplicou o xeque-mate em apenas um: o ex-chanceler e ex-reitor da Catedral São Bento, o padre demitido pela Igreja Católica, Clécio Ribeiro.
Neste caso, o bispo apenas publicou a decisão do Papa Francisco, de julho deste ano. O padre, contra quem pesavam “denúncias graves”, sem se explicar quais, estava afastado desde dezembro de 2015.
O próximo da lista de exclusões pode ser o padre Denismar Rodrigo André, preso em julho de 2019, acusado de pedofilia. Segundo informou a polícia à época, o sacerdote admitiu o armazenamento de vídeos com pornografia infantil. O caso segue na justiça e a Diocese de Marília, por sua vez, à espera de uma decisão para se posicionar.
JOGADA ERRADA
Em tese, as transferências deveriam ser "oportunidade para a dinamização das comunidades e enriquecimento da própria missão dos sacerdotes", conforme escreveu o bispo de Leopoldina (MG), dom Edson Jose Oriolo dos Santos, em artigo sobre o assunto, publicado no site de sua diocese. De fato, são. Em certos casos, deveria ser.
Ao longo do tempo, no entanto, as transferências acomodaram outra conotação longe de qualquer propósito bendito: a de acobertamento de crimes praticados por clérigos, especialmente os de natureza sexual, conforme revelaram investigações jornalísticas que abalaram a Igreja Católica com inúmeros escândalos de pedofilia - e bilhões em indenizações -, apenas nas últimas décadas.
Desde então, o termo é sempre acompanhado de desconfiança e suscetível à análise espontânea de históricos e comportamentos dos sacerdotes envolvidos - inclusive na Diocese de Marília. Em fevereiro de 2019, este blog denunciou os bastidores do 'envio missionário' à Amazônia de um padre acusado de esbanjar os recursos da própria paróquia em Panorama (SP).
MUDANÇA DE CASA
Entre os padres em vias de transferência agora, quatro deixarão suas comunidades em Marília – inclusive, rumo ao exterior – e outros quatro já preparam as malas para se mudar para a cidade-sede da Diocese.
Segundo a circular, o pároco da Paróquia Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, Evandro Cesar Batista Ribeiro, vai estudar Direito Canônico na Faculdade San Vicente Ferrer, da Espanha. “É uma oportunidade de ouro. Esta experiência está vinculada com o trabalho que irei realizar lá como sacerdote”, afirmou o padre ao blog.
O atual pároco da Maria Mãe da Igreja, Adriano Alves Pereira, e o vigário das comunidades do Sagrado Coração de Jesus, do JK e de Nossa Senhora Auxiliadora do Distrito de Avencas, Silvio Cesar Quaio, exercerão as mesmas funções na Paróquia São Francisco Xavier, de Bastos (SP).
O padre Danilo Nobre dos Santos é outro que deixa Marília. Responsável pela construção do templo e a emancipação da comunidade de Nossa Senhora Rosa Mística, erigida a paróquia em 2018, ele vai assumir a Paróquia de Sant’Anna, em Herculândia (SP). O substituto será o padre Renan Takizawa, atual vigário da São Pedro Apóstolo, de Tupã (SP).
“O que fica é a experiência de muito aprendizado e muita gratidão por ter conhecido e convivido com pessoas tão especiais”, afirmou Nobre ao blog. “Agora o sentimento é de abertura para a novidade e a nova missão no trabalho junto à próxima paróquia”.
Nobre vai para a mesma casa da qual o colega Rafael Octávio Garcia se despede nas próximas semanas. “Estou muito feliz. Volto a Marília após 22 anos”, afirmou Garcia ao blog. A última comunidade que ele dirigiu na cidade, entre 1997 a 1999, foi a então capela de Santo Antônio de Pádua – atual Paróquia Sagrado Coração de Jesus.
A comunidade do JK, aliás, é destino do padre Edson Luís Barbosa da Silva, que atuará como vigário. “A relação da espiritualidade com a dimensão social e familiar. É o que eu levo daqui (de Junqueirópolis) e vou aplicar na nova paróquia, na medida que for solicitado”, disse ao blog.
Atual pároco de Santa Genoveva, de Irapuru (SP) e São José, de Flora Rica (SP), o padre José Ferreira Domingos assume uma comunidade em Marília pela primeira vez. Ele substituirá o padre Evandro Ribeiro na Nossa Senhora do Perpétuo Socorro. “Eu tenho facilidade de adaptação tanto en uma paróquia de cidade pequena quanto de uma maior. Tenho a alegria de viver a missão pastoral em qualquer uma dessas realidades”, comparou.
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