Câmara vota substituição de indexador para redução extraordinária de cobrança de imposto para 2021. Prefeito alega Lei Eleitoral para não ter alterado decreto em dias de calamidade pública – apesar de exemplo paulistano. ‘Índice de dezembro’ é o 2º maior em dez anos. Programa de Regularização de Débitos visa conter inadimplência de 32% em 2020. Apesar de pandemia, sessão camarária é presencial nesta segunda (11).
Eleito prefeito de Marília em 2016, Daniel Alonso (PSDB) acionou a Câmara Municipal de Marília, ainda na segunda quinzena de janeiro de 2017, para uma ‘operação revogação’ de leis e dispositivos aprovados ao apagar das luzes da administração de Vinícius Camarinha (PSB).
O Plano de Cargos, Vencimentos e Carreira, por exemplo, classificado à época como uma ‘armadilha’ pelo então novo gestor municipal, por não dotar de previsibilidade de despesas aos inativos, conforme reza a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), foi baixado aos arquivos pelo plenário majoritariamente governista.
Reeleito ao cargo em 2020, Alonso repete agora o expediente de início de mandato em ambiente semelhante: uma pauta urgente a ser apreciada em sessão extraordinária - nesta segunda (11), às 10 horas –, pela base de apoio que, embora modificada pelas eleições, segue mantida no Legislativo.
REPERCUSSÃO NEGATIVA
Desta vez, no entanto, o ato administrativo a ser reformado por Alonso é o próprio: o aumento de 24,51% no Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) - a exemplo de seu antecessor, através de decreto publicado na alvorada da gestão, na edição de 31 de dezembro do Diário Oficial do Município de Marília (DOMM).
Das redes sociais e aos portais de notícias, a repercussão negativa do reajuste na opinião pública alcançou o plenário da Câmara Municipal, pouco mais de 24 horas depois, em plena solenidade de posse do prefeito, vice e vereadores, pela iniciativa supostamente improvável do presidente do Legislativo, Marcos Rezende (PSD), reencaminhado ao cargo com o apoio do próprio Executivo.
“Prefeito, estaremos buscando um diálogo para que a gente possa não aplicar o IGP-M (Índíce Geral de Preços – Mercado), mas o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo)”, afirmou Rezende, já de volta à cadeira de chefia do Legislativo, ao final da sessão. “Não podemos fazer renúncia de receita. Tem que se mudar a lei”, rebateu o prefeito, ao blog.
IMPROBIDADE X CALAMIDADE
Ainda no domingo (2), a prefeitura alegou, em nota, que o reajuste do IPTU atendeu a Lei Municipal 742, de 16 de dezembro de 2015, que definiu o IGP-M como ‘indexador oficial’ e que não enviou nenhum projeto que tratasse sobre o tema antes do réveillon pelo fato de 2020 ter sido um ano eleitoral.
A própria Lei 9.504/1997 diz, no entanto, no parágrafo 10º do artigo 73 que “no ano em que se realizar a eleição, fica proibida a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública, exceto em casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior (...)”.
Marília está oficialmente em estado de calamidade pública desde 20 de março de 2020 em decorrência da pandemia do novo coronavírus. Antes, durante e após as eleições, e ainda nos dias de hoje, a prefeitura demandou, e ainda dispõe, de recursos humanos e financeiros para atender sua população.
“Nesses casos (estado de calamidade), seria ilógico impor limitações ao gestor público que o impeçam de adotar medidas políticas e sociais que conduza a situação novamente à normalidade. Seria, em outras palavras, submeter toda a população aos efeitos deletérios da crise, pelo simples medo do uso eleitoral da máquina pública”, afirmou o procurador de Porte Alegre (RS), Jhonny Prado Silva, em artigo à Revista Conjur Jurídico.
A prefeitura da cidade de São Paulo, a maior do Brasil, congelou a cobrança do IPTU para 2021. A proposta, inclusa na Lei Orçamentária para o próximo ano, estimado em R$ 67,5 bilhões (o de Marília, é de R$ 1,1 bi) foi aprovada pela Câmara Municipal de São Paulo em 22 de dezembro – portanto, ainda em ano eleitoral. Havia previsão de apenas 1,7% de reajuste, o que acabou suprimido.
MUDANÇA DE INDEXADORES
Em Marília, a redução do valor do IPTU foi anunciada em 4 de janeiro. Alonso manifestou-se na primeira segunda-feira do ano, por meio de sua conta pessoal no Facebook. Afirmou ter sido pego “de surpresa e de forma desagradável” pelo IGP-M e comunicou o envio ao Legislativo de um projeto para a alteração do indexador do imposto – agora, pelo IPCA, “excepcionalmente para o exercício de 2021”.
Ocorre, no entanto, que o índice do IGP-M pode ser consultado a qualquer momento ao longo do ano. Ou seja: o prefeito, por óbvio, já tinha ciência da porcentagem do IGP-M, embora não o tenha citado, como de costume em atos do gênero, no caput de seu decreto de 31 de dezembro de 2020.
O índice de 24,51% é o 2º maior definido para cobrança do IPTU desde 2011. Fica atrás apenas do de 2013, quando a instituição da Planta Genérica de Valores, decretada em 28 de dezembro de 2012, pelo então prefeito Ticiano Toffoli (PT), provocou cobranças que variaram dos 50% a mais de 1000% nos carnês.
Ainda no mesmo período, o menor índice de reajuste de IPTU data de 2018, segundo ano do primeiro mandato de Daniel Alonso. Na ocasião, o IGP-M ficou em negativos 0,87% e o prefeito, a exemplo da iniciativa de 2020 do colega tucano paulistano Bruno Covas (PSDB), congelou a cobrança do imposto.
Embora tenha sido protocolado depois, o projeto do Executivo que altera a indexação do IPTU, do IGP-M para o IPCA, tem preferência a outros dois que já haviam sido providenciados antes pelo próprio Legislativo, na esteira das reações contrárias da casa, ainda na sessão de posse do dia 1º de janeiro.
O vereador Eduardo Nascimento (PSDB) propôs que o índice não possa ser maior que o da inflação. Em outro projeto, o presidente Marcos Rezende (PSD) sugere a cobrança do IPTU pelo índice “de menor atualização no acumulado no período de dezembro do penúltimo exercício a novembro do último”.
A flexibilidade proposta por Rezende condiz com a dinâmica de flutuação de porcentagens comuns aos indexadores. De 2011 para cá, por exemplo, INPC, IPCA e o próprio IGP-M oscilaram entre os mais baixos. Índice oficial da inflação, o IPCA – como sugeriu Nascimento – foi o menor em seis dos últimos dez anos.
INADIMPLÊNCIA
Além da preocupação em reparar o desgaste político pelo anúncio do aumento do IPTU com uma proposta de redução em 4,31%, o Executivo já visualiza melhor expectativa de arrecadação em 2021 pelo Programa de Regularização de Débitos, a ser deliberado – e aprovado – na sessão extraordinária desta segunda (11).
Segundo a proposta, os devedores dos cofres municipais terão de 80% a 100% de descontos sobre multas e juros, seja para pagamentos parcelados (dez vezes, a partir de 31 de março, não inferior a R$ 100) ou à vista (até a mesma data). Os interessados devem formalizar adesão entre 1º de fevereiro e 30 de março. A estratégia de anistia ocorre um ano pandêmico marcado pela inadimplência.
“Tivemos uma frustração de receita muito grande, não só com IPTU, mas ISS, taxas, licenças em mais de 32%. No Daem (Departamento de Água e Esgoto de Marília), chega a 46%”, afirmou ao blog o secretário municipal da Fazenda, Levi Gomes. “Na Emdurb, nenhuma multa pode ser lançada. A receita zerou e a prefeitura foi obrigada a mantê-la através de repasses e aportes”.
Apesar da expectativa de maior arrecadação, o secretário ainda prevê dias difíceis em 2021. “A pandemia continua forte. Nós estamos atravessando momentos muito difíceis, inclusive com falta de leitos em nossa cidade. A gente não consegue fazer uma previsão, ter uma noção, um planejamento que a gente não sabe se vai acontecer”.
A declaração do secretário é um indício de eventual frustração da aplicação do Plano de Metas, instituída pela Câmara em votação unânime, em outubro de 2020. Pela nova lei, de autoria do vereador Marcos Custódio (Podemos), o prefeito tem até 90 dias para apresentação de seu programa de trabalho, ancorado em indicadores de desempenho.
DE VOLTA DO PLENÁRIO
A votação dos dois projetos encaminhados pelo Executivo para a sessão desta segunda-feira (11) está a cargo da nova legislatura 2021-2024. Ainda que tenha havido uma renovação maior do que 50%, o prefeito assistirá as primeiras aprovações de muita outras que virão na casa ainda majoritariamente governista.
Na prática, houve apenas a substituição de personagens para quase os mesmos papeis. As ‘vagas situacionistas’ dos tucanos José Carlos Albuquerque (líder do governo), José Luiz Queiroz e Wilson Damasceno (agora secretário municipal de Direitos Humanos), que não conseguiram reeleição, não tardaram a ser ocupadas.
Nestas três cadeiras, como exemplos, assentam-se agora vereadores eleitos pela principal campanha de oposição à reeleição de Daniel Alonso (PSDB). São os casos de Elio Ajeka (Progressistas), Ivan Negão (PSB) e Vânia Ramos (Republicanos). Da mesma coligação aportou ainda Rogerinho (Progressistas).
A oposição, ocupada de fato apenas pelos vereadores Luiz Eduardo Nardi (Podemos) e Danilo da Saúde (PSB), vai poder contar, de quando em quando, com os votos de agente federal Junior Féfin (PSL) e até do tucano e ex-presidente da casa, Eduardo Nascimento.
Apesar do agravamento da pandemia na cidade, a primeira sessão de 2021 será presencial. Aos 72 anos, Nardi vai participar de forma remota. Outro membro do plenário no grupo de risco, o presidente Marcos Rezende (PSD), 62 anos, vai coordenar os trabalhos de sua poltrona na Mesa Diretora. A TV Câmara faz transmissão ao vivo pelo canal legislativo e suas redes sociais.
PAUTA DA SESSÃO EXTRAORDINÁRIA DESTA SEGUNDA (11)
I – PROCESSOS CONCLUSOS
1 – Primeira discussão do Projeto de Lei Complementar nº 3/2021, da Prefeitura Municipal, instituindo o Programa de Regularização de Débitos, por período determinado, visando potencializar a arrecadação própria levando-se em conta os efeitos econômicos causados pela pandemia ocasionada pela infecção humana pelo coronavírus SARS-CoV-2 (Covid-19) e dá outras providências. Há emendas em 2ª discussão. Votação por maioria absoluta.
2 – Primeira discussão do Projeto de Lei Complementar nº 4/2021, da Prefeitura Municipal, alterando o índice de atualização monetária anual para os tributos e tarifas do Sistema Tributário Municipal, por período determinado, passando do Índice Geral de Preços-Mercado (IGP-M), para o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), e dá outras providências. Há emendas em 2ª discussão. Votação por maioria absoluta.
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