CASCATA OFICIAL
- Rodrigo Viudes
- há 20 horas
- 5 min de leitura
ANÁLISE: Intervenção do Governo Vinicius em saneamento básico termina com concessão “inviável” convertida em solução “histórica”, sustentada por acréscimo de outorga apresentado como investimento insuficiente para cobrir o passivo assumido pela Prefeitura pós-terceirização

Anunciada em coletiva de imprensa na quarta-feira (19), a manutenção da concessão do saneamento básico de Marília apareceu, enfim, no Diário Oficial do Município horas depois, na edição de quinta-feira (20).
Em setembro, quando o prefeito Vinicius Camarinha (PSDB) ocupou o mesmo espaço para anunciar a ruptura unilateral do contrato, este blog já havia antecipado a futura canalização de um acordo com a RIC Ambiental.
Em menos de dois meses, o contrato antes acusado pelo prefeito como “um desastre ao povo de Marília” foi alçado ao status de “solução histórica”, com promessa de investimentos de “mais de R$ 40 milhões”.

No entanto, a atenta comparação entre ambos os decretos e as narrativas oficiais expõe contradições represadas à opinião pública — cuja análise, por este blog, contribui para transbordar alguns questionamentos.

FATOS, CIFRAS E PREJUÍZOS
No decreto de fevereiro, Vinicius havia apontado que a concessão era “manifestamente lesiva ao erário público municipal” com base em estudo técnico-financeiro elaborado pela Fundação Instituto de Administração (FIA).
O documento, produzido pela instituição vinculada à Universidade de São Paulo (USP), levou exatos três meses para ser publicado após a assinatura de um contrato de R$ 7 milhões, com dispensa de licitação.
O valor é quase o dobro dos R$ 4 milhões que Vinicius informou ter de despesa mensal com pagamento dos salários dos ex-servidores do Daem [assista abaixo], além de parcelamentos de dívidas de energia elétrica da extinta autarquia.
Esse passivo, considerado o repasse mensal de R$ 2 milhões da outorga da RIC Ambiental, foi o principal argumento financeiro de Vinicius para a intervenção na concessão do saneamento básico decretada em 25 de fevereiro.
A longo prazo — 35 anos — o contrato acumularia, ainda segundo o relatório da FIA, um prejuízo de R$ 55,7 milhões, restando a “anulação como único remédio jurídico capaz de estancar o prejuízo continuado e a sangria dos cofres públicos”.
TAC, RISCOS E ELEIÇÕES
Apesar da recomendação, a Prefeitura afirmou, no decreto de quarta-feira (19), ter assinado um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) após receber proposta de “solução consensual” apresentada pela RIC Ambiental.
Pelo novo acordo, a concessionária comprometeu-se a acrescentar mais R$ 40 milhões no valor da outorga, a serem pagos em duas parcelas, em outubro de 2026 e 2027, totalizando R$ 200 milhões.
No discurso oficial, esse valor adicional representa uma nova fonte de recursos a serem aplicados em diversas áreas da administração. Vinicius chegou a sugerir aos secretários que fizessem um ‘master plan’ que indique prioridades de investimentos.
O “negócio jurídico extremamente vantajoso para a administração pública”, segundo parecer da Corregedoria-Geral do Município, no entanto, não fecha a conta com a realidade deficitária admitida pela própria Prefeitura.
Na prática, os R$ 40 milhões adicionados na outorga não são suficientes para cobrir sequer as obrigações do município com os ex-servidores do Daem, afora os demais passivos assumidos pela Prefeitura, via agência reguladora, conforme consta na lei complementar que autorizou a concessão:

Quanto menos — a considerar a mesma fonte de recursos — para subsidiar investimentos. Ainda que o município continue a receber os R$ 2 milhões (deficitários) mensais, o dinheiro anunciado virá para cobrir rombo – e a título de antecipação.
A redução do prazo de pagamento da outorga — de sete anos para menos de três — acomoda o fluxo de recursos ao mandato atual, mas descobre o próximo governo, que não terá os mesmos repasses e herdará apenas o passivo mensal.
Ou seja, a ‘torneira’ da RIC Ambiental aos cofres municipais secará ainda antes do fim deste segundo governo Vinícius, mas a narrativa da fluidez de dinheiro, a ser represada por outras fontes, hidratará o financiamento de obras a serem entregues a tempo das eleições de outubro de 2028.
CONTEXTOS POLÍTICOS
A continuidade de uma concessão que não propôs foi o que Vinicius conseguiu dez anos depois de ter desenhado seu modelo de terceirização dos serviços de água e esgoto, na metade final de seu primeiro governo (2013-2016).
Em outubro de 2015, o chefe do Executivo em primeira viagem apresentou seu modelo de Parceria Público-Privada (PPP) para o saneamento básico. À época, a conclusão das estações de tratamento de esgoto estava incluída no pacote.
Por isso, inclusive, o valor de R$ 504 milhões — R$ 850 milhões hoje, corrigidos pelo IPCA — estimado pelo Plano Diretor para recuperação de todo o sistema de abastecimento de água e tratamento de esgoto.
Enviado à Câmara Municipal, o PLC 25/2015 precisou de apenas 21 dias para ser aprovado em três sessões: uma interrompida por protestos; outra, no dia seguinte, em primeira discussão; e a última, em segunda votação.
Mas a concessão não sairia do papel. A Oscip Marília Transparente (Matra) moveu ação popular que culminou, em dezembro, com a suspensão do processo licitatório pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP).
A virada do ano selaria as pretensões de Vinicius com o futuro do Daem e na tentativa de reeleição. Em outubro, ele perdeu o pleito para Daniel Alonso (PSDB, hoje PL), e sua base — já alinhada ao novo governo — engavetou o PLC por unanimidade.
A proposta de revogação foi sugerida por Mário Coraíni Júnior (PTB, 1936-2025), um dos três oposicionistas a Vinicius — os outros eram Cícero do Ceasa (PL) – vice-prefeito de Daniel, no segundo mandato (2021-2024) e Wilson Damasceno (PSDB, hoje PL).
Mas a “concessão do Daem” — negada por Vinicius na campanha de 2012 e por Daniel em cartório e vídeo antes das eleições de 2017 — voltaria à pauta após a reeleição do novo prefeito.
O PLC 15/2022 foi enviado ao Legislativo e aprovado em junho daquele ano, em sessão de “fim de pandemia”, com repeteco do clássico 10 a 3. Daniel abriu a licitação ainda em dezembro de 2022, mas a Matra voltou a reagir.
Após idas e vindas nos tribunais de Justiça e de Contas, a Prefeitura publicou o terceiro edital que serviria, enfim, a licitação. Apenas uma proposta apareceu na Secretaria de Suprimentos, em 22 de maio de 2024.
Representava a RIC Ambiental, consórcio formado pelas empresas CLT, Infra e Replan, formalizado em 30 de agosto, apenas dez dias antes da assinatura da concessão, em 9 de setembro, iniciada 48 horas depois.
De volta à Prefeitura em 1º de janeiro, Vinicius retomou a pauta da concessão do saneamento básico ao decretar a intervenção, em 25 de fevereiro. O controle dos serviços seria devolvido à RIC Ambiental apenas no decreto de quinta-feira (19).





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