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CASCATA OFICIAL

ANÁLISE: Intervenção do Governo Vinicius em saneamento básico termina com concessão “inviável” convertida em solução “histórica”, sustentada por acréscimo de outorga apresentado como investimento insuficiente para cobrir o passivo assumido pela Prefeitura pós-terceirização


Recursos jorrarão nos cofres, segundo Prefeitura, mas as torneira da RIC secarão | Foto: Prefeitura e Gemini
Recursos jorrarão nos cofres, segundo Prefeitura, mas as torneira da RIC secarão | Foto: Prefeitura e Gemini

Anunciada em coletiva de imprensa na quarta-feira (19), a manutenção da concessão do saneamento básico de Marília apareceu, enfim, no Diário Oficial do Município horas depois, na edição de quinta-feira (20).

Em setembro, quando o prefeito Vinicius Camarinha (PSDB) ocupou o mesmo espaço para anunciar a ruptura unilateral do contrato, este blog já havia antecipado a futura canalização de um acordo com a RIC Ambiental.

Em menos de dois meses, o contrato antes acusado pelo prefeito como “um desastre ao povo de Marília” foi alçado ao status de “solução histórica”, com promessa de investimentos de “mais de R$ 40 milhões”.


Vinicius assina novo decreto que prevê antecipação das outorgas da RIC Ambiental para seu governo
Vinicius assina novo decreto que prevê antecipação das outorgas da RIC Ambiental para seu governo

No entanto, a atenta comparação entre ambos os decretos e as narrativas oficiais expõe contradições represadas à opinião pública — cuja análise, por este blog, contribui para transbordar alguns questionamentos.

 

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FATOS, CIFRAS E PREJUÍZOS

No decreto de fevereiro, Vinicius havia apontado que a concessão era “manifestamente lesiva ao erário público municipal” com base em estudo técnico-financeiro elaborado pela Fundação Instituto de Administração (FIA).

O documento, produzido pela instituição vinculada à Universidade de São Paulo (USP), levou exatos três meses para ser publicado após a assinatura de um contrato de R$ 7 milhões, com dispensa de licitação.

O valor é quase o dobro dos R$ 4 milhões que Vinicius informou ter de despesa mensal com pagamento dos salários dos ex-servidores do Daem [assista abaixo], além de parcelamentos de dívidas de energia elétrica da extinta autarquia.



Esse passivo, considerado o repasse mensal de R$ 2 milhões da outorga da RIC Ambiental, foi o principal argumento financeiro de Vinicius para a intervenção na concessão do saneamento básico decretada em 25 de fevereiro.

A longo prazo — 35 anos — o contrato acumularia, ainda segundo o relatório da FIA, um prejuízo de R$ 55,7 milhões, restando a “anulação como único remédio jurídico capaz de estancar o prejuízo continuado e a sangria dos cofres públicos”.

 

TAC, RISCOS E ELEIÇÕES

Apesar da recomendação, a Prefeitura afirmou, no decreto de quarta-feira (19), ter assinado um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) após receber proposta de “solução consensual” apresentada pela RIC Ambiental.

Pelo novo acordo, a concessionária comprometeu-se a acrescentar mais R$ 40 milhões no valor da outorga, a serem pagos em duas parcelas, em outubro de 2026 e 2027, totalizando R$ 200 milhões.

No discurso oficial, esse valor adicional representa uma nova fonte de recursos a serem aplicados em diversas áreas da administração. Vinicius chegou a sugerir aos secretários que fizessem um ‘master plan’ que indique prioridades de investimentos.

O “negócio jurídico extremamente vantajoso para a administração pública”, segundo parecer da Corregedoria-Geral do Município, no entanto, não fecha a conta com a realidade deficitária admitida pela própria Prefeitura.

Na prática, os R$ 40 milhões adicionados na outorga não são suficientes para cobrir sequer as obrigações do município com os ex-servidores do Daem, afora os demais passivos assumidos pela Prefeitura, via agência reguladora, conforme consta na lei complementar que autorizou a concessão:


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Quanto menos — a considerar a mesma fonte de recursos — para subsidiar investimentos. Ainda que o município continue a receber os R$ 2 milhões (deficitários) mensais, o dinheiro anunciado virá para cobrir rombo – e a título de antecipação.

A redução do prazo de pagamento da outorga — de sete anos para menos de três — acomoda o fluxo de recursos ao mandato atual, mas descobre o próximo governo, que não terá os mesmos repasses e herdará apenas o passivo mensal.

Ou seja, a ‘torneira’ da RIC Ambiental aos cofres municipais secará ainda antes do fim deste segundo governo Vinícius, mas a narrativa da fluidez de dinheiro, a ser represada por outras fontes, hidratará o financiamento de obras a serem entregues a tempo das eleições de outubro de 2028.

 

CONTEXTOS POLÍTICOS

A continuidade de uma concessão que não propôs foi o que Vinicius conseguiu dez anos depois de ter desenhado seu modelo de terceirização dos serviços de água e esgoto, na metade final de seu primeiro governo (2013-2016).

Em outubro de 2015, o chefe do Executivo em primeira viagem apresentou seu modelo de Parceria Público-Privada (PPP) para o saneamento básico. À época, a conclusão das estações de tratamento de esgoto estava incluída no pacote.

Por isso, inclusive, o valor de R$ 504 milhões — R$ 850 milhões hoje, corrigidos pelo IPCA — estimado pelo Plano Diretor para recuperação de todo o sistema de abastecimento de água e tratamento de esgoto.

Enviado à Câmara Municipal, o PLC 25/2015 precisou de apenas 21 dias para ser aprovado em três sessões: uma interrompida por protestos; outra, no dia seguinte, em primeira discussão; e a última, em segunda votação.

Mas a concessão não sairia do papel. A Oscip Marília Transparente (Matra) moveu ação popular que culminou, em dezembro, com a suspensão do processo licitatório pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP).

A virada do ano selaria as pretensões de Vinicius com o futuro do Daem e na tentativa de reeleição. Em outubro, ele perdeu o pleito para Daniel Alonso (PSDB, hoje PL), e sua base — já alinhada ao novo governo — engavetou o PLC por unanimidade.

A proposta de revogação foi sugerida por Mário Coraíni Júnior (PTB, 1936-2025), um dos três oposicionistas a Vinicius — os outros eram Cícero do Ceasa (PL) – vice-prefeito de Daniel, no segundo mandato (2021-2024) e Wilson Damasceno (PSDB, hoje PL).



Mas a “concessão do Daem” — negada por Vinicius na campanha de 2012 e por Daniel em cartório e vídeo antes das eleições de 2017 — voltaria à pauta após a reeleição do novo prefeito.

O PLC 15/2022 foi enviado ao Legislativo e aprovado em junho daquele ano, em sessão de “fim de pandemia”, com repeteco do clássico 10 a 3. Daniel abriu a licitação ainda em dezembro de 2022, mas a Matra voltou a reagir.



Após idas e vindas nos tribunais de Justiça e de Contas, a Prefeitura publicou o terceiro edital que serviria, enfim, a licitação. Apenas uma proposta apareceu na Secretaria de Suprimentos, em 22 de maio de 2024.

Representava a RIC Ambiental, consórcio formado pelas empresas CLT, Infra e Replan, formalizado em 30 de agosto, apenas dez dias antes da assinatura da concessão, em 9 de setembro, iniciada 48 horas depois.

De volta à Prefeitura em 1º de janeiro, Vinicius retomou a pauta da concessão do saneamento básico ao decretar a intervenção, em 25 de fevereiro. O controle dos serviços seria devolvido à RIC Ambiental apenas no decreto de quinta-feira (19).


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