À deriva de uma pandemia, São Paulo ancora neste 22 de Abril a chegada ao 'novo mundo' pós-Covid-19 com abertura gradual da economia no estado. Empresários de Marília não ficam a ver navios e acionam o prefeito na Justiça por retomada imediata
Vinte nove dias após uma longa, criticada e ainda trágica viagem forçada pelos ventos de uma pandemia global, o governo do estado de São Paulo começa a desembarcar a partir desta quarta-feira (22) da quarentena que impôs aos seus 645 municípios-tripulantes como única alternativa à sobrevivência.
A chegada do anúncio prometido de flexibilização das restrições em pleno Dia do Descobrimento do Brasil após um realinhamento estratégico sobretudo pelo interesse da ‘coroa’ paulista, é um primeiro contato com o ‘mundo novo’ que restará após a passagem da peste atual, a começar pelas novas formas de relações comerciais.
Apesar da expectativa gerada pelo governo paulista, principalmente entre os nativos mais afetados pelos reflexos econômicos do isolamento provocado pela Covid-19, o desembarque das novas medidas deve ocorrer somente a partir do dia 11 de maio, posterior ao último da nova prorrogação da quarentena ainda vigente.
"A reabertura levará em consideração diversos fatores como disseminação da epidemia, situação do sistema de saúde e distanciamento social. Todas as medidas estarão alinhadas com o Comitê de Saúde do Centro de Contingência do Coronavírus. A ciência continuará pautando nossas ações", afirmou o governador João Dória (PSDB), em sua conta no Twitter.
PORTO QUASE SEGURO
A considerar os critérios de flexibilização do isolamento apontados por Dória, Marília seria, hoje, um porto quase seguro para acolher novas medidas que permitissem, por exemplo, a retomada gradual do comércio.
Em seu cartão de visitas a cidade apresentaria, segundo os dados oficiais desta segunda (20), a incidência de uma morte confirmada e duas pendentes, a relação média de um teste positivo para cada dez negativos e uma estrutura hospitalar com ocupação exclusiva a pacientes da Covid-19 de apenas 6%.
Em contrapartida, a despeito do distanciamento social exigido pelos decretos estadual e municipal, a população de Marília não atingiu, nenhuma vez, desde o início da quarentena, em 24 de março, a taxa de isolamento de 70% definida pelo governo paulista.
No entanto, a cidade voltou a atingir o seu melhor desempenho de 55% de isolamento no último domingo (19), segundo estatística divulgada em site do governo paulista. Instituído no último dia 8, o sistema de monitoramento inteligente utiliza o cruzamento de dados cedidos pelas operadoras de telefonia.
BEM VINDO, MAS...
Enquanto o governo paulista aparece como Pedro Álvares Cabral (1467-1520), que entrou para história como o ‘descobridor’ do país, vários municípios do estado já haviam agido tal qual Duarte Pacheco Pereira (1460-1533), antecipando-se às novas medidas que serão conhecidas nesta quarta (22).
Não é o caso de Marília. O prefeito Daniel Alonso (PSDB) está sob a mira de uma liminar que o impede de qualquer flexibilização da atividade comercial além do que determina o decreto de quarentena estadual. A multa diária para cada dia de desobediência é de R$ 100 mil.
Além desta decisão provisória, solicitada pelo Ministério Público (MP) e aceita pela Justiça de Marília, Alonso também não quer correr o risco de ser denunciado por improbidade administrativa, conforme advertiu recentemente a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, do Ministério Público Federal (MPF).
NAUS DISTINTAS
A pendência da liminar foi ponderada pelo Executivo a um grupo de vereadores que reuniu-se com o prefeito na manhã desta segunda-feira (20) para pedir explicações e ações, inclusive documentadas, a respeito da possibilidade de reabertura do comércio.
Em ofício entregue no gabinete, os vereadores argumentaram a recente flexibilização do isolamento social proposto pelo Ministério da Saúde a municípios com ocupação de leitos abaixo dos 50%; a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que reconheceu a autonomia de estados e cidades em ações de combate à Covid-19 e também a relação de atividades que seguem inativas por conta do decreto de quarentena estadual.
Subscreveram o pedido os vereadores Evandro Galete (PSDB), João do Bar (PP), José Carlos Albuquerque (PSDB), Marcos Custódio (Podemos), Mauricio Roberto (PP) e Wilson Damasceno (PSDB). Timoneiro de uma nau cada vez mais desembarcada no Legislativo, Marcos Rezende (PSD) manifestou-se formalmente em separado.
“Entendo que, se adotarmos as restrições e cuidados para que não aja a propagação do vírus, o comércio poderá ser reaberto de modo gradual e as atividades de convivência poderão ser retomadas de forma consciente e responsável”, afirmou o presidente.
Em resposta, o prefeito entregou aos vereadores, verbalmente, o que já se sabia: não tem autonomia para agir. Conforme o blog já havia divulgado, Alonso afirmou que ainda espera pelo acórdão da decisão do STF antes de qualquer iniciativa de decreto. Em relação à liminar, afirmou que deve recorrer.
A CARTA DO MP
Para o MP, não há nenhuma dúvida em relação à decisão do STF. Em ‘nota à sociedade civil’ divulgada no último dia 17 e assinada pelo 13º Procurador de Justiça de Presidente Prudente (SP), Marcelo Creste, a Procuradoria é objetiva em sua análise em relação à reabertura do comércio durante a vigência da quarentena paulista.
“Essa possibilidade não existe. Os municípios e os prefeitos devem obediência ao Decreto Estadual nº 64.881, de 20 de março de 2020. Caso flexibilizem as regras do decreto, incorrerão no crime previsto no artigo 268 do Código Penal e na prática de improbidade administrativa previsto no artigo 10 da Lei 8.429/92”.
O MP reforça ainda que o STF “não autorizou e nem reconheceu o poder de os municípios reduzirem ou flexibilizarem as normas restritivas estaduais”, mas apenas “para restringir ainda mais o conteúdo do decreto estadual”. “Portanto, não há possibilidade legal ou constitucional”, concluiu o procurador.
AO ATAQUE
O entendimento não é o mesmo para três entidades de Marília que, nesta segunda (20), ingressaram na Vara da Fazenda Pública com um mandado de segurança coletivo, com pedido de antecipação de tutela, pela reabertura do comércio local.
Embora representados no Comitê Gestor de Combate ao Coronavírus implantado pelo município, a Associação Comercial e Industrial de Marília (Acim) e os sindicatos do Comércio Varejista de Marília e de Hoteis, Restaurantes, Bares e Similares acionaram o próprio prefeito da cidade.
“Reside aqui, o ponto nodal ensejador desta prédica: desde a publicação do Decreto, as atividades de comércio foram abruptamente atingidas em virtude do fechamento das portas dos estabelecimentos comerciais. A partir de então, empresários e trabalhadores amargam o dissabor de ver de um dia para outro o fenecimento de suas atividades e empregos”, diz o pedido, ao qual o blog teve acesso.
Assinada pelas advogadas Maria Regina Aparecida Borba Silva e Daniela Ramos Marinho, a petição cita exemplos de outras cidades onde os prefeitos anunciaram a reabertura do comércio e diz que as entidades “cansadas de percorrer em peregrinações infrutíferas pelos corredores do executivo, decidiu eleger os Homens da Justiça como árbitros de suas jornadas infecundas”.
Procurado pelo blog nesta terça-feira (21), o prefeito Daniel Alonso (PSDB) afirmou, via assessoria de imprensa, que não se manifestaria sobre o assunto.
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