NA MARCHA DO SILÊNCIO
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NA MARCHA DO SILÊNCIO

Atualizado: 3 de abr.

Da histórica referência nacional à atual penúria de representatividade na Sampaio Vidal, um breve relato sobre as conquistas e os descompassos das bandas e fanfarras de Marília. Única em atividade, corporação municipal resiste à extinção na terra dos dinossauros. Exemplo de Atibaia (SP) é avenida aberta para que novas bandas possam passar por aqui



Ao ritmo descompassado de um solitário caixista salvo por um bombo resistente à cadência de passos afrouxados dos atiradores do Tiro de Guerra, rompeu na avenida Sampaio Vidal o desfile cívico-militar dos 94 anos da emancipação político-administrativa de Marília na manhã ensolarada de outono deste 4 de abril de 2023.


Enfileiradas com suas estridentes e uníssonas sirenes e buzinas, viaturas policiais e de bombeiros, além de ônibus e tratores escolares apresentaram em seguida a evolução sobre rodas da linha de frente das frotas municipais.

Daí em diante, no entanto, notou-se um silêncio musical estranho a um evento do gênero, interrompido tão somente pelos tambores da fanfarra da APAE Marília e dos acadêmicos de Medicina da Unimar e, ao final, pela Banda Marcial Cidade de Marília.

Na outrora ‘terra de gigantes’ de corporações musicais do Brasil, restaram no palco principal de históricas apresentações apenas pegadas de um traço cultural ameaçado a marchar rumo à sua própria extinção.

NOTAS HISTÓRICAS

A convivência de Marília com suas fanfarras e bandas marciais antecede sua própria existência como cidade. Aqui vale um registro: a Lei 2.320 que criou o município, é de 24 de dezembro de 1928. Por isso o nome da rua paralela à 15 de Novembro.

Até que houvesse a instalação oficial em 4 de abril de 1929, além das primeiras autoridades municipais, Bento de Abreu Sampaio Vidal (1872-1948) providenciou a banda de música ‘Sampaio Vidal’ para tocar na primeira festa cívica da cidade.

Sob a regência do maestro Jorge Galati (1885-1968), Marília nasceu ao som dos sopros e percussões em seus desfiles e nas retretas de seus coretos, até conhecer suas primeiras corporações escolares ainda nos primeiros anos da década de 1930.


ÉPOCA DE OURO

Ao final da década de 1950, o recém-inaugurado Colégio Cristo Rei implantaria sua fanfarra, promovida a banda marcial em 1960 sob a regência do professor de Matemática, Francês e Inglês, o então irmão canadense Raymond Roger Rainville (1927-2014).


Do estilo das grandes bandas marciais de seu país natal, Raymond adaptou novos e elegantes uniformes, adornou bandeiras e cores à linha de frente e ajustou o repertório ao cancioneiro popular – um combo de inovação ímpar para a época.

'Embaixatriz de Marília': banda marcial do colégio Cristo Rei foi referência em sua época | Crédito: Facebook
Aclamada nos desfiles, festivais e campeonatos estaduais e nacionais, a banda marcial do Colégio Cristo Rei empilhou títulos e troféus, gravou discos, e tornou-se a ‘embaixatriz’ de Marília por onde passou no país.

Referência de excelência à concorrência, a multicampeã conheceria a rivalidade mariliense a partir de 1972 com a instalação da banda marcial do Senac, fundada pelo próprio maestro Raymond, que acabara de deixar o colégio e a irmandade.

'Dérbi mariliense': banda do Senac (foto) foi principal rival do Cristo Rei em concursos nos anos 1970

Até meados de 1976, as duas corporações marilienses brigaram – por vezes, literalmente, à beira da estrada – em competições estaduais e nacionais, como as realizadas pela Rádio Record na cidade de São Paulo.

O declínio disciplinar, aliás, foi um dos fatores que culminaram com o encerramento das atividades da banda marcial do Cristo Rei, em 1980. A derradeira apresentação foi na inauguração do primeiro ginásio de esportes do colégio.

Por menos de dois anos, Marília chegou a ser representada por três bandas marciais. Em 1978, Raymond aceitou o convite da então Associação de Ensino de Marília (AEM, atual mantenedora da Universidade de Marília) e lá fundou uma nova corporação.

Banda Marcial da Associação de Ensino de Marília, mantenedora da Unimar, desfilou entre 1978 e 1983
Banda da AEM na Praça Maria Izabel: corporação foi a terceira fundada e regida pelo maestro Raymond
O projeto duraria apenas até 1983. Suficiente, no entanto, para garantir algumas conquistas. Os troféus estão cuidadosamente guardados e expostos até os dias de hoje na antessala da reitoria da Unimar.

De 1984 em diante, a banda marcial do Senac seguiu ‘carreira solo’ em Marília, exceto pelo aparecimento de fanfarras como a da escola estadual “Geraldo Zancopé” e a do bairro Castelo Branco, a única mantida por uma associação de moradores na história da cidade.

Banda de uma unidade só: Senac de Marília foi única do estado a ter sua própria corporação entre 1972 e 1994

Em raros vídeos disponíveis no Youtube é possível 'desfilar' junto com a banda marcial do Senac, desde sua sede ao palanque da avenida Sampaio Vidal. Repare como era a cidade na época. A data provável da gravação é do início dos anos 1990. Confira:

A exemplo da banda marcial do colégio Cristo Rei, a do Senac também gravou seu ‘LP’ e colecionou conquistas nos anos 1980. Em outubro de 1994, a direção comunicou a suspensão dos ensaios antes de amplas reformas da sede da rua Paraíba.

Capa e contracapa do disco da Banda Marcial Senac de Marília, lançado em 1975 | Crédito: Oswaldo Machado

Abaixo, outro raro vídeo da banda marcial do Senac em desfile cívico de 1976 em Marília, com direito a bastidores após a apresentação:


A única corporação musical do gênero do Senac no estado de São Paulo, mantida pela unidade de Marília, seria preterida na lista de investimentos e teria suas atividades oficialmente encerradas após 24 anos marchando pelo Brasil afora.

MUNICIPALIZAÇÃO

A reação dos integrantes e de suas famílias chegou ao gabinete do prefeito de Marília, Salomão Aukar (1931-2019), que cobrou à então Secretaria Municipal de Cultura e Turismo que tratasse com o Senac a busca de uma solução.

A resposta não tardou. O Senac doou à Prefeitura de Marília todos os instrumentos musicais, incorporados ao Patrimônio Público pelo Decreto 7.000 de 26 de abril de 1995, o que viabilizou a ‘municipalização’ da corporação.

De volta à avenida: municipalizada, banda do Senac tornou-se a 'Cidade de Marília', em preto, branco e vermelho
A criação da Banda Marcial Cidade de Marília ocorreria, oficialmente, pela Lei 4.088 de 27 de junho de 1995. O maestro Clayrton Vieira Basta e o instrutor Marcos Aparecido Geraldo da Silva seriam nomeados em seus cargos após concurso público.

Inicialmente acomodada no piso superior do atual Complexo Cultural “Braz Alécio”, a nova banda foi remanejada ao Espaço Cultural até meados dos anos 2000 e, depois, ao ginásio de esportes da avenida Santo Antonio, onde ficou até o 2022.

Atualmente, a Banda Marcial Cidade de Marília está em sede exclusiva na avenida Brasil, 252, no centro, onde compartilha o espaço com a recém-criada Banda Sinfônica de Marília. As inscrições estão abertas para ambas.

Enfim, 'em casa': após quase três décadas de atividades, banda marcial tem sede exclusiva no centro da cidade

Em 28 anos de atividades completados nesta terça-feira (4), a banda municipal teve como seu maior feito a terceira colocação pela categoria juvenil no 12º Campeonato Nacional disputado em Goiânia, em 2004.


BANDAS SEM MUSEU

Além das três grandes bandas marciais – Cristo Rei, Senac e AEM – e das fanfarras já citadas, outras corporações ficaram pelos caminhos da história de Marília. Desde pequenas formações escolares para desfiles a outras fanfarras e bandas. Abaixo, as principais:

  • Fanfarra da Legião Mirim (depois, banda de percussão)

  • Fanfarra do colégio Sagrado Coração de Jesus

  • Fanfarra da EE Maria Cecília de Freitas

  • Fanfarra da Fundação Bradesco

  • Fanfarra da EE Antonio Reginato

  • Fanfarra do Educandário "Dr. Bezerra de Menezes"

  • Fanfarra do Sesi Marília

  • Banda marcial da EE “Sylvia Ribeiro de Carvalho”

  • Banda marcial do colégio Bezerra de Menezes

  • Banda Regimental da Polícia Militar do 9º BPMI de Marília

Dentre estas destacam-se as bandas da “Sylvia Ribeiro de Carvalho”, que chegou a disputar competições estaduais e da Legião Mirim, cujos caixistas exibiam técnicas de execução mais complexas que as de qualquer outra corporação da história da cidade.

Referência técnica: extinta banda da Legião Mirim teve melhor formação de percussão entre todas de Marília

Há poucos registros da existência das bandas e fanfarras em Marília, a começar pelas próprias instituições que as mantiveram por anos. É seguro que haja maior acervo histórico na memória de seus ex-integrantes do que no Google.


EXEMPLO DE ATIBAIA

Apesar de toda contribuição para o meio de bandas e fanfarras ao longo de décadas, e diante da situação atual de penúria de seus próprios desfiles, resta a Marília procurar por alternativas que resgate sua tradição.

Em Atibaia (SP), o Projeto Educando Com Música e Cidadania preza pela formação de músicos a partir dos 7 anos em fanfarras mirins em 17 escolas; aos 10, em fanfarras polos e, após seleção, à banda marcial municipal (FAMA).

A iniciativa é coordenada pela Associação dos Pais e Amigos da Fanfarra Municipal de Atibaia em parceria com as secretarias municipais de Educação e Cultura da Prefeitura da estância de Atibaia (SP).

Além das fanfarras e da banda marcial, os integrantes do projeto podem participar ainda de grupos de sopro e percussão, dança, da Orquestra de Câmara, do Sexteto de Metais e da Big Band Jovem de Atibaia.

Fundada em 1990, a FAMA detém o título de campeã mundial de bandas marciais pela World Association of Marching Show Bands (WAMSB) e conquistou a medalha de ouro no World Music Contest, na Holanda, em 2015. É bicampeã nacional.

Ao final de seus desfiles cívico-militares, Atibaia celebra seu projeto com uma grande apoteose com todas suas corporações musicais marciais. Sonoridade de educação e cidadania de sobra que desanda em compasso de espera há tempos na Marília que desaprendeu a marchar...


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