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O PRÍNCIPE

Atualizado: há 2 horas

ANÁLISE: o primeiro ano da gestão de Vinícius à frente dos poderes municipais de Marília à luz da obra mais influente da Ciência Política moderna. Entenda por que o prefeito é tão Maquiavel – como qualquer outro seria


De volta ao trono: 'Príncipe' Vinícius, com vestes comuns aos seus pares no século XVI | Foto: Gemini
De volta ao trono: 'Príncipe' Vinícius, com vestes comuns aos seus pares no século XVI | Foto: Gemini

Após retomar sua rotina de expedientes no Palácio dos Bandeirantes, a serviço do soberano da vez, como um dos nobres deputados, Vinicius Camarinha retornou em 2025 ao seu trono no Paço Municipal “Adorcino de Oliveira Lyrio” para quatro anos de reinado.

Sob sua gestão, o governo de Marília continuou a ser um espaço ocupado tal qual o de muitos de seus antecessores: a administração pública como um exercício clássico de ciência política aplicada.

Ao observar as ações deste primeiro ano de mandato, é impossível não enxergar a sombra de Nicolau Maquiavel. Vinicius governa como o "Príncipe": aquele que entende que a política é o jogo das aparências, da conveniência e da gestão cirúrgica do tempo.


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Neste texto, o blog explica como o modelo político de Vinicius se ocupa da aplicação dos princípios da obra mais influente de Maquiavel em suas ações e afirmações, em seu plano de governo e na relação com o Legislativo, a mídia e a população.

Por mais que explore as atitudes e posturas de Vinícius, a análise é mais sobre o político e menos a pessoa que agora detém os poderes de Marília. Maquiavel não deixa dúvidas: qualquer outro que estivesse lá faria praticamente o mesmo.

 

O AUTOR

Nicolau Maquiavel (1469-1527) foi um diplomata e filósofo florentino que revolucionou a política ao separá-la da moral religiosa. Em sua obra-prima, O Príncipe, ele descreveu o mundo como ele é, e não como deveria ser.

Para Maquiavel, o objetivo do governante é a manutenção do Estado e do poder, o que justifica o uso da astúcia e da força. O termo "maquiavélico" surgiu dessa visão realista: no imaginário popular, tornou-se sinônimo de alguém calculista e sem escrúpulos.

Na ciência política, no entanto, refere-se apenas à "razão de Estado" — a habilidade de agir estrategicamente para atingir um fim maior, independentemente dos meios. Abaixo, os principais conceitos de Maquiavel:

 

  • Virtù e Fortuna: A "virtù" de um governante, para Maquiavel, é a sua capacidade de agir com coragem, sagacidade e determinação para alcançar seus objetivos, enquanto a "fortuna" é a sorte ou o acaso.

  • Ser amado ou temido: Maquiavel discute se é melhor para um príncipe ser amado ou temido, concluindo que o ideal é ser ambos, mas, se precisar escolher, é mais seguro ser temido.

  • Aparência versus realidade: Maquiavel defende que um príncipe deve, muitas vezes, parecer ter certas qualidades (como ser piedoso ou justo), mesmo que na prática ele não as tenha.

 

INÍCIO DE GOVERNO

Maquiavel afirma que o príncipe deve ser um "grande simulador e dissimulador" e que o povo é atraído pelas aparências. O ato público primeiro de governo de Vinicius vestir-se de agente de trânsito e cortar fisicamente os fios de um radar é a materialização desse conceito.

Trata-se de performance simbólica. O corte do fio comunica visualmente o rompimento com a gestão anterior e a "libertação" do motorista, mesmo que, legalmente, a fiscalização continue por outros meios. É o "teatro político" para conquistar a simpatia imediata das massas.

Maquiavel ensina que as injúrias (males) devem ser feitas de uma só vez, enquanto as benfeitorias (bens) devem ocupar maior tempo possível, "pouco a pouco, para que sejam mais bem saboreadas".



Ao dar prioridade ao pagamento dos servidores e anunciar o "Zera Fila" na saúde logo nos primeiros dias, Vinicius e estabelece um clima de paz social no início do mandato. As entregas rápidas na zeladoria (limpeza urbana) servem para que o povo "saboreie" a mudança de governo de imediato.

Segundo Maquiavel, um príncipe sábio deve, quando tiver oportunidade, fomentar astutamente alguma inimizade para que, ao vencê-la, sua grandeza se torne maior. Por isso, a insistência de Vinicius na exposição constante das "mazelas" da gestão anterior (banheiros quebrados, cupins em postos, contas negativas).

Ao enfatizar o estado de "penúria" deixado pelo ex-prefeito Daniel Alonso (PL), Vinicius se coloca como o "salvador" e o "organizador". Cada pequena limpeza ou reforma ganha um peso maior porque é apresentada como uma superação de um cenário de caos.



O príncipe deve adaptar seu modo de proceder conforme os tempos e as circunstâncias. Por isso, a fala de Vinicius sobre os radares: "Só não muda quem é ignorante". Maquiavel valoriza a flexibilidade.

Ao deixar uma porta aberta para o retorno dos radares caso as mortes aumentem, Vinicius mostra que está disposto a mudar de rota se a "Fortuna" (as circunstâncias) exigir, protegendo sua própria reputação de um fracasso futuro.

 

O AQUEDUTO

Ainda no início do governo, Vinicius tentou reverter a concessão do saneamento à RIC Ambiental e a pressão sobre a Amae. Para Maquiavel, o príncipe que conquista um Estado novo (ou volta ao poder) deve neutralizar os "ministros" e as estruturas do antecessor.

Atacar a concessão feita por Alonso é uma forma de destruir a "herança" do rival e garantir que os novos contratos e regulamentações estejam sob sua égide, e não da estrutura antiga.

Maquiavel afirma que um Príncipe prudente não pode, nem deve, manter a palavra quando isso lhe for prejudicial. O prefeito questionou um processo licitatório que já estava consumado, mudando a postura de "gestor que aceita as regras" para "justiceiro que defende o cofre público".



Por isso, sua postura ao anunciar a manutenção da mesma concessão antes criticada como “um desastre ao povo de Marília” convertida ao status de “solução histórica”, com promessa de investimentos de “mais de R$ 40 milhões”.

A postura de Vinicius, segundo Maquiavel, é a de um governante que está "limpando o jardim". Ele não recua por medo, mas por estratégia. No mundo maquiaveliano, a "inviabilidade" financeira é o argumento perfeito para a "viabilidade" política.

 

AMOR E ÓDIO

Em março, Vinicius iniciou uma reforma do Terminal Coletivo Urbano. A melhoria, no entanto, começou acompanhada por transtornos que afetaram milhares de passageiros após a transferência dos embarques e desembarques à Praça Maria Izabel.

Na ocasião, Vinicius gravou vídeos sobre a reforma (o futuro glorioso), mas ignorou o terminal improvisado a 100 metros dali (o presente caótico). Maquiavel diz que o príncipe deve ser visto pelo povo, mas deve evitar o ódio.

Quando o ódio ou o desprezo são inevitáveis devido a uma falha administrativa, o príncipe astuto se distancia. Aqui, segundo Maquiavel, Vinicius aplicou a máxima de "dar as boas notícias pessoalmente e as más notícias por meio de terceiros" (ou simplesmente ignorá-las). Ao não visitar o caos na catedral, ele evita que sua imagem seja associada ao transtorno, ao sol e à falta de banheiros.



Maquiavel observa que o povo é movido pela esperança. Vinicius usa o vídeo para projetar uma imagem de um futuro ideal que compensaria o sacrifício do presente. Ele transforma o transtorno atual em um "pedágio necessário" para a modernidade.

É a tática de focar no resultado (que Maquiavel diz que justifica os meios) para abafar o sofrimento do processo. Vinicius deixa que o desgaste político da falta de banheiros, água e integração caia sobre as concessionárias.

Se o serviço falha, a culpa é da "empresa privada"; se o terminal fica bonito, o mérito é do "prefeito". Ele permite que as empresas sejam o alvo da fúria popular enquanto mantém a aura de quem está "exigindo melhorias".

 

NOBRES EDIS

O príncipe deve ter o apoio dos grandes (elites/legislativo) e evitar os aduladores que o cegam. Por isso, ao menos no início, a formação de um secretariado com nomes técnicos mesclados a suplentes e a ampla maioria na Câmara Municipal – eleita por seus súditos cidadãos.

Vinicius garante a governabilidade ao dominar o Legislativo, transformando a Câmara em uma extensão de seu gabinete. No entanto, a escolha de suplentes por "indicação pessoal" em detrimento da competência pode ser o início do problema dos aduladores. Maquiavel alerta: rodear-se de quem diz "sim" pode isolar o príncipe da realidade.

Maquiavel ensina que o príncipe que possui uma cidade forte e não se faz odiar não pode ser atacado. Se for, o denunciante sairá com vergonha. A "fortaleza" de Vinicius não é feita de pedras, mas de votos na Câmara Municipal.


Comando remoto: Vinicius estava em viagem internacional quando vereadores barram CP contra ele
Comando remoto: Vinicius estava em viagem internacional quando vereadores barram CP contra ele

A rejeição quase unânime (15 a 2) do pedido de investigação enquanto o prefeito viajava ao Japão foi um exemplo deste controle. Ao garantir uma base governista sólida, Vinicius neutraliza qualquer "turbulência" antes mesmo que atinja o gabinete.

Ele não precisa estar presente para se defender; a estrutura que ele montou faz isso por ele. Maquiavel veria isso como a prova de um príncipe que organizou bem suas defesas para poder se ausentar sem risco de um golpe interno.

Sobre os ministros e secretários, Maquiavel diz que o príncipe deve saber usar a inteligência alheia para validar a sua. É neste contexto que se põe o veto de 1,2% e a aprovação do limite de 0,43%, mantendo as emendas impositivas em um valor que o Executivo controla (R$ 300 mil por vereador).



Assim, Vinicius "doma" a Câmara. Ele veta a independência financeira total dos vereadores, mas oferece uma "migalha" controlada. Ele garante que os vereadores tenham algo para mostrar às suas bases, mas mantém a "chave do cofre" em suas mãos. É a política de dependência que Maquiavel tanto recomenda.

 

COBRANÇA DE IMPOSTOS

Para Maquiavel, o Príncipe deve evitar a todo custo ser odiado, e nada gera mais ódio do que tocar no patrimônio dos súditos. No entanto, o autor também reconhece que um Príncipe sem recursos é um Príncipe fraco.

Em setembro, Vinicius aprovou, por meio de seu Legislativo, a aprovação da reforma tributária em que propôs diluir o aumento do IPTU em três exercícios financeiros através de uma "trava de transição".


Reajuste 'maquiaveliano': Vinicius repartiu aumento do IPTU para os próximos três anos | Foto: Gemini
Reajuste 'maquiaveliano': Vinicius repartiu aumento do IPTU para os próximos três anos | Foto: Gemini
Na prática, Vinicius aplicou uma variante da lição maquiaveliana. Ao parcelar a "dor" do aumento, ele tenta anestesiar a reação popular. Ele sabe que o aumento é necessário para o caixa, mas usa a transição para evitar que o impacto imediato se transforme em ódio político fulminante.

Maquiavel recomenda que o Príncipe se cerque de especialistas para validar decisões impopulares. Ao criar uma comissão técnica, Vinicius pode dizer que o aumento não é "vontade política", mas "necessidade técnica e jurídica". Se o IPTU subir, a culpa é dos "critérios técnicos" da comissão, não do Príncipe.

 

OBRAS DO PRÍNCIPE

Maquiavel aconselha que as injúrias (medidas impopulares, cortes, aumentos de impostos) devem ser feitas de uma só vez, no início, para que sejam esquecidas. Já as benfeitorias devem ser feitas pouco a pouco, para que sejam mais bem saboreadas.

Ao estender o cronograma de entrega de obras como o Ambulatório Médico de Especialidades (AME) e os Parques para o final do mandato, o prefeito garante que o "sabor" da entrega esteja fresco na memória do eleitor no momento das urnas de 2028.

Maquiavel compara a fortuna a um rio torrencial. O príncipe prevenido constrói diques e canais quando o tempo está calmo. Ao contratar um empréstimo de R$ 110,5 milhões agora, Vinicius está viabilizando os "canais" financeiros que garantirão o canteiro de obras lá na frente. Ele usa o presente para "comprar" o futuro político.



Obras como a interligação de bairros (R$ 93 milhões) e as áreas de lazer (tirolesa, praças molhadas) são o que Maquiavel chama de "Grandes Empreendimentos". Elas mantêm o espírito dos súditos (cidadãos) ocupado e suspenso em admiração.

O anúncio gera expectativa; a execução provê a ideia de movimento; e a inauguração consolida a percepção de que o príncipe é indispensável.

Ao repetir constantemente que os cofres estão vazios, o prefeito utiliza a técnica da parcimônia estratégica. É uma tática que Maquiavel aprovaria para evitar o ódio do povo quando o governo não consegue entregar tudo o que prometeu. É a construção da imagem de um gestor que faz "milagre com pouco".

 

OPINIÃO PÚBLICA

Maquiavel entendia que o povo julga pelas mãos e pelos olhos, ou seja, pelo que vê e pelo que sente. Se o Príncipe controla o que o povo "vê" através da imprensa, ele domina a realidade política.

Maquiavel discute que a generosidade do Príncipe deve ser estratégica. Ao financiar a maioria dos veículos de comunicação com recursos públicos, Vinicius não está sendo "generoso" no sentido cristão, mas sim comprando a gratidão e a dependência.

Para Maquiavel, é mais seguro ter as elites (neste caso, a midiática) dependentes da sua "bolsa" do que deixá-las livres para atacá-lo. Uma imprensa subsidiada tende a ser agradecida ou, no mínimo, silenciosa.



A forma como ele responde aos questionamentos — exaltação longa dos feitos versus frases curtas e inconclusivas para os problemas — é a aplicação pura da dissimulação. Maquiavel diz que o Príncipe deve ser um "grande simulador e dissimulador".

Responder de forma evasiva sobre problemas sensíveis evita que ele forneça munição aos adversários, enquanto o silêncio diante das análises críticas, como as deste blog, por exemplo, pode ser interpretado como uma estratégia de marginalização pelo desprezo.

Ao não contestar, ele evita dar ainda mais visibilidade e "palco" à única voz dissonante, tratando-a como uma exceção que não deve perturbar a harmonia do "teatro" principal.

A imprensa subsidiada acaba agindo não como fiscalizadora, mas como um coro de vozes que apenas valida a agenda do governante. O perigo disso, segundo Maquiavel, é que o Príncipe pode acabar cercado de aduladores.

 

ESTÉTICA DE PODER

Maquiavel afirma que o príncipe deve entreter o povo com festas e espetáculos em épocas convenientes do ano. Uma decoração de Natal de R$ 1 milhão é o exemplo exato disso. Para o autor, o povo vive da aparência e dos resultados imediatos.

O brilho das luzes no centro da cidade cria uma sensação de bem-estar e prosperidade que "mascara" problemas estruturais ou financeiros, mantendo o povo satisfeito e admirado.
Entretenimento estratégico: Natal Iluminado 'mascara' problemas da cidade, segundo Maquiavel
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Ao mimetizar a estética do governo estadual, Vinicius utiliza a transferência de prestígio. Ele não está apenas pintando prédios, mas comunicando visualmente que Marília é uma extensão do poder estadual (fortalecendo a ideia de aliança com o Governador).


Estética de estado: espaços municipais pintados em preto e branco remetem ao padrão do governo paulista
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É a criação de uma "marca" de governo que transmite ordem, sobriedade e, acima de tudo, a ideia de que há um método por trás da gestão. Maquiavel diz que o príncipe deve ser visto como um protetor e um bom administrador.

Reformar unidades de saúde e manter a cidade limpa são ações de visibilidade imediata. Diferente de uma reforma administrativa complexa que o povo não vê, uma praça limpa e um posto pintado são provas "palpáveis" de que o príncipe está trabalhando.
'Metaverso digital': Vinicius constrói sua narrativa de governo no feed de suas próprias redes sociais
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O uso das redes sociais para partilhar o dia a dia é o que Maquiavel chamaria de humanização estratégica. O príncipe se mostra próximo o suficiente para ser amado, mas mantém o controle total sobre o que é postado. Ele decide qual "moldura" o povo deve ver, construindo a imagem do trabalhador incansável.


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