Afastados sob acusação de abuso sexual contra ex-seminarista, ex-vigário geral da Diocese de Assis e ex-diretor de seminário em Marília encaram processo clerical sob risco de demissão, além de investigação policial. Padre recém-dispensado por bispo local é preso em Presidente Prudente
Apenas um ano e cinco meses após a formalização de uma denúncia de abuso sexual em um tribunal eclesiástico, dois padres foram oficialmente afastados de suas funções ministeriais pela própria Igreja Católica na última terça-feira (31).
Sinais dos tempos de aparente celeridade clerical na apuração de crimes contra o sexto mandamento do Decálogo, agora sob normas reformadas e penas endurecidas, mais alinhadas ao discurso do Papa Francisco.
A tempo de que estivesse supostamente rascunhada nas escrivaninhas da Sé Episcopal de Assis (SP), a Medida Cautelar de Dom Argemiro de Azevedo ocorreu somente cinco dias após a publicação da denúncia revelada por este blog com exclusividade – e a replicação na mídia, inclusive da própria cidade-sede da diocese.
Expostos os nomes dos sacerdotes envolvidos pela própria Cúria, por força da publicidade dada aos decretos, aprofundaremos neste post sobre ambos, as acusações e os contextos que envolvem mais um escândalo sexual na Igreja.
DECRETOS E ACUSAÇÕES
Pela decisão ad cautelam (por precaução, em latim), os padres Maurílio Alves Rodrigues e Oldeir José Galdino estão proibidos do exercício do ministério sacerdotal. Na prática, foram suspensos pelo bispo.
Das “acusações graves” comuns está a de abuso cometido por clérigo “com um menor de dezoito anos”, conforme reza a nova redação das “normas substanciais” referente a procedimentos da igreja a crimes sexuais praticados por clérigos.
Segundo a denúncia, o ex-seminarista afirmou ter 16 e 17 anos quando teria sido abusado. O julgamento para este tipo de crime cabe a Congregação para a Doutrina da Fé, no Vaticano. A pena máxima é de demissão clerical.
Contra o padre Maurílio pesa ainda o suposto emprego do sacramento da confissão para “solicitar ao penitente o pecado contra o sexto mandamento” – no caso, indução a práticas sexuais, de que trata a denúncia.
OS ACUSADOS
Ainda na quarta-feira (1 de junho), os nomes dos dois padres já não constavam mais como párocos de suas comunidades no site da Diocese de Assis. Maurílio, na Paróquia São Nicolau, e Oldeir, na Paróquia São Donato, de Pedrinhas Paulista (SP).
Este último, aliás, não é mais vigário-geral. Segundo apurou o blog, a mudança ocorreu na segunda-feira (30). O substituto ao segundo cargo mais alto da diocese, abaixo apenas ao do bispo, teria sido o padre Orlando de Almeida Alves.
Oldeir já ocupava a função em 2012, cinco anos antes da ordenação do atual bispo diocesano. De sua privilegiada posição ascendente diante do clero, atuou em diversos conselhos diocesanos, com estreita confidencialidade junto a dom Argemiro de Azevedo.
Ainda do alto da envergadura de seu cargo, o ex-vigário-geral alcançou os céus de Assis, em março de 2022, a bordo de monomotor, com o Santíssimo Sacramento em suas pecadoras mãos, para abençoar hospitais de Assis e Candido Mota (SP).
Ele próprio seria internado, em junho de 2021, para tratamento da doença. Chegou a ficar nove dias na Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Recebeu alta em 3 de julho e retornou aos poucos a sua rotina na Catedral de Assis.
Em novembro, em meio às oitivas do Tribunal Interdiocesano de Botucatu à denúncia contra si, Oldeir foi transferido para Pedrinhas Paulista após quase sete anos no centro do poder diocesano de Assis.
Com formação acadêmica em Marília, entre 1986 e 1992, Oldeir foi ordenado no ano seguinte em Rancharia (SP), sua cidade-natal, e perambulou por paróquias de várias cidades em seus 28 anos de ministério sacerdotal.
Quando de sua ordenação como diácono, em 1991, o padre escolheu como lema o versículo 12 do capítulo 1 da primeira Carta a Timóteo: “Julgou-me digno de confiança e chamou-me para o seu serviço”. Aos 60 anos e acusado de estupro, Oldeir corre sério risco de dispensa da mesma igreja à qual devotou a Palavra de Deus.
PÓS EM PARIS
Foi pela sabedoria dos homens que o padre Maurílio forjou sua formação acadêmica. Além da Filosofia e da Teologia, próprias da aprendizagem clerical, ele é mestre em História e doutor em Ciências Religiosas – este último pela Universidade de Paris, uma das mais antigas do mundo.
Desde fevereiro de 2004, Maurílio tem emprestado também sua intelectualidade na formação de novos padres em Marília pela Faculdade João Paulo II (Fajopa), instituição interdiocesana que dirigiu entre 2008 e 2016.
Atual vice-diretor executivo, o padre compõe conselhos acadêmicos e leciona em ambos os cursos. Na última terça (31), dia da publicação do decreto episcopal que o afastou, os alunos do 4º ano de Teologia tiveram vacância na aula de História da Igreja.
Segundo apurou o blog, o padre doutor não tem comparecido à Fajopa desde a semana passada. Procurada, a instituição não havia se manifestado publicamente sobre o afastamento de Maurílio até a publicação deste post.
A mantenedora da instituição é composta por um consórcio diocesano representado pelos bispos da Arquidiocese de Botucatu (SP). O presidente atual é dom Argemiro de Azevedo, que acabou de afastar Maurílio das funções presbiterais.
Maurílio era pároco da Catedral de Assis, entre 2002 e 2003, quando teria abusado do ex-seminarista que o denunciou e o acusa de suposta tentativa de suborno. Ao blog, o padre negou ambos os crimes.
Ordenado em 1986, Maurílio é figura presente tanto entre os conservadores do Movimento Focolares quanto aos que buscam uma conversão mais progressista da Igreja Católica pelo diálogo inter-religioso.
Apesar das denúncias, a rotina do sacerdote transcorria normalmente até o último fim de semana na Paróquia São Nicolau. Ele celebrou a missa de Ascensão do Senhor no domingo (29). Procurado novamente após o afastamento, Maurílio optou pelo silêncio, a exemplo de Oldeir.
INVESTIGAÇÃO POLICIAL
Além da tramitação do processo no tribunal eclesiástico da Santa Sé, os dois padres também serão ouvidos em investigação policial conduzida desde a semana passada pelo Delegacia da Defesa da Mulher (DDM) de Assis (SP).
O ex-seminarista denunciante compareceu na unidade policial no último dia 26 para reafirmar sua narrativa já oferecida ao tribunal eclesiástico por “temer por sua segurança”, conforme consta no ‘Termo de Declarações’ lavrado no dia.
A apuração da denúncia ocorre dezoito anos depois dos supostos abusos – apenas dois a menos do prazo de prescrição a crimes de estupro no Brasil, conforme consta na legislação penal vigente.
PADRE PRESO
Nove meses depois de receber oficialmente a dispensa do celibato pela Igreja Católica, o padre Manoel Carlos Nery de Souza voltou a ficar em evidência na mídia por motivos supostamente nada religiosos.
Foragido da Justiça de Osvaldo Cruz (SP) desde terça-feira (31), ele foi preso nesta quarta (1) enquanto deixava um laboratório de análises clínicas de Presidente Prudente (SP) e seria conduzido a uma penitenciária.
A Polícia Civil não informou o motivo da prisão por se tratar de processo que tramita em segredo. O blog não havia localizado a defesa do padre até a publicação deste post. O espaço segue aberto.
O sacerdote teve vida ministerial curta na Diocese de Marília. Ordenado em 2002, foi afastado em 2017, sob acusação de suposto assédio sexual. Procurado por ocasião de sua dispensa, em março de 2021, ele não se manifestou.
Embora fora do clero, Manoel continua a ser chamado de padre. Na teologia católica, os sacramentos de Ordem (sacerdócio), Batismo e Crisma são ‘indeléveis’ e não podem ser revogados. Por isso não há ‘ex-padres’.
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