PADRE JÚLIO LANCELLOTTI: FRATERNIDADE FRACIONADA
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FRATERNIDADE FRACIONADA

Atualizado: 31 de jan.

Única sufragânea de Botucatu a manifestar apoio público ao padre Júlio Lancellotti, Diocese de Marília tem maioria simples de paróquias de cidade-sede com pastorais dedicadas às pessoas em situação de rua. Ampliada em mais de 2.600% em 11 anos, população de andarilhos ‘mariliense’ se soma à chegada de imigrantes, divide espaços de atendimento municipal e sobrevive à aporofobia


Na mira da CPI: padre Júlio Lancellotti é alvo de tentativa de investigação de vereador de SP | Foto: Redes Sociais

Mais de um terço de janeiro depois da publicação de nota da Arquidiocese de São Paulo de São Paulo, a Diocese de Marília manifestou sua ‘Carta Aberta de Apoio do Pe. Júlio Renato Lancellotti, no último domingo (14).

O posicionamento da Igreja Particular de Marília, seja em seu site oficial e ainda em suas redes sociais, era único entre todas as demais dioceses sufragâneas à Arquidiocese de Botucatu (SP), ao menos até a data de publicação deste texto.

O blog não identificou nenhuma manifestação oficial dos episcopados de Araçatuba (SP), Assis (SP), Bauru (SP), Botucatu (SP), Lins (SP), Ourinhos (SP), Presidente Prudente (SP) em seus canais digitais oficiais.

A Associação Catadores de Papel e o Movimento Araçatuba Sem Fome, ambos de Araçatuba (SP); a Pastoral Ecologia Integral, da Diocese de Bauru (SP) e a Ordem Franciscana Secular, de Marília, já haviam assinado a ‘Carta de Apoio e Solidariedade’ ao padre, publicada em 9 de janeiro pela Comissão Brasileira Justiça e Paz.

 


DENOMINADOR PARLAMENTAR

Vigário episcopal para a Pastoral do Povo da Rua, Lancellotti está na mira de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) proposta pelo vereador da Câmara Municipal de São Paulo, Rubinho Nunes (União Brasil).

Protocolado em 6 de dezembro de 2023, o requerimento de criação da CPI tem por finalidade “investigar as Organizações Não Governamentais (ONGs) que fornecem alimentos, utensílios para uso de substâncias ilícitas e tratamento aos grupos de usuários que frequentam a região da Cracolândia”.


Eis o pedido de CPI: apresentado em dezembro, requerimento tem sofrido com recuo de signatários

Ainda na véspera, o vereador já havia citado em “nota para o Júlio Lancellotti + esquerdistas me atacam por convocar padre comunista” a necessidade da convocação do sacerdote por “eventual uso de recursos públicos para alimentar e fomentar o tráfico de drogas no centro de São Paulo” (assista abaixo na íntegra).



Passado o réveillon, o assunto voltou a ficar em evidência na opinião pública após a nota publicada no dia 3 pela Arquidiocese de São Paulo. “Por quais motivos se pretende promover uma CPI contra um sacerdote que trabalha com os pobres, justamente no início de um ano eleitoral?”, questionou a Igreja Católica.



Em nota publicada em seu perfil no Instagram, Lancellotti afirmou não pertencer a nenhuma ONG que “utilize de convênio com o poder público municipal” e que a Pastoral de Rua “é uma ação pastoral da Arquidiocese de São Paulo que, por sua vez, não se encontra vinculada de nenhuma forma às atividades que constituem o objetivo do requerimento aprovado para criação da CPI em questão”.


 

DIVISÃO POLÍTICA

Fiel e futuro pré-candidato à reeleição, com apoio declarado do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), o prefeito Ricardo Nunes (MDB) telefonou para Lancellotti no mesmo dia – ambos se encontrariam pessoalmente no dia 9.

Ainda no dia 5, o vereador Rubinho Nunes (União Brasil), publicou outro vídeo, agora com tom bem mais ameno “explicando sobre a CPI das ONGs e porque a grande mídia me persegue sobre o padre Júio Lancellotti” (assista abaixo na íntegra).



Desta vez, o vereador afirmou “nem ter citado o padre” no pedido de CPI, e que o alvo seria a “máfia da miséria” em que ele opõe ONGs e Polícia Militar. Nunes disse ainda ter sido alvo de cancelamento por “querer investigar”.



Apoiado pela bancada evangélica do parlamento paulistano, Rubinho Nunes (União Brasil) vai precisar de um terço (28 votos) para que a CPI seja criada. A deliberação deve acontecer em fevereiro, após o recesso parlamentar.

O embate público entre o vereador e o padre opõe personas de espectros políticos distintos em ano de eleições municipais. Um dos fundadores do Movimento Brasil Livre (MBL), Rubinho Nunes é de direita enquanto o padre atua à esquerda.

Aos 35 anos, o vereador está em primeiro mandato na Câmara Municipal de São Paulo e deve buscar a reeleição. Aos 75 anos, Lancellotti é formado em Enfermagem, Pedagogia e completará 40 anos de sacerdócio em 2024.



DENÚNCIA ARQUIVADA

Em 23 de fevereiro, ainda no recesso parlamentar, a Arquidiocese de São Paulo informou, em nota, a manutenção do arquivamento de uma denúncia um suposto crime sexual que teria sido praticado por Lancellotti.


A cúria paulistana afirmou tratar-se "do mesmo conteúdo divulgado em 2020", cujo inquérito aberto pelo Ministério Público (MP) foi arquivado pela Justiça e que permanece "atenta a ulteriores elementos de verdade sobre os fatos denunciados", mas "distante de interesses ideológicos e políticos".

O padre é acusado de ter se masturbado em um vídeo com um suposto adolescente. A denúncia reapareceu em publicação da Revista Oeste, apoiada em laudo pericial contestado por profissional especializado em seguranças de dados, segundo informou a Revista Fórum.



EQUAÇÃO PASTORAL

Em sua ‘Carta Aberta’, a Diocese de Marília diz que a atuação de Lancellotti na capital paulista é “inspiração para a pastoral urbana de todo o país”, como “modelo para a nossa ação eclesial no centro-oeste do estado, território diocesano de Marília”.

Assinado por dom Luiz Antonio Cipolini, o documento público tem como signatários o representante dos presbíteros no Conselho Presbiteral e assessor diocesano das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), padre José Afonso Maniscalco e o presidente da Comissão Diocesana de Diáconos, José Eduardo Caparroz.


Na cidade-sede da diocese, a maioria simples das 19 paróquias mantém pastorais dedicadas ao atendimento de pessoas em situação de rua. Em comum, oferecem alimento, roupas e orientação espiritual aos atendidos.

Em 22 de novembro de 2023, propedeutas da Diocese de Marília encontraram-se com o padre Júlio Lancellotti em visita à capital. O momento foi registrado e publicado na edição de dezembro do jornal ‘No Meio de Nós’, o informativo oficial.


Visita diocesana: Pe. Júlio Lancellotti recebeu padres e propedeutas de Marília em novembro | Foto: Diocese

Ainda em dezembro, paróquias católicas, evangélicos e centros espíritas reuniram-se pelo segundo ano consecutivo para promover um almoço natalino aos moradores de rua. A inciativa foi notícia no Vatican News, ainda que omitida a coorganização dos não católicos na publicação oficial do Vaticano.


Publicação de evento em Marília omitiu apoio de evangélicos e e espíritas em portal de notícias do Vaticano

O blog esteve no evento em 2022 e colheu as lições dos famintos – clique AQUI e confira histórias partilhadas. Na ocasião, todos os participantes tiveram acesso a cuidados de saúde e beleza oferecidos por fiéis, empresas e entidades parceiras.


Fração do pão: Blog registrou depoimentos de moradores de rua em iniciativa ecumênica em 2022

Os famintos, inclusive em situação de rua, estiveram no foco da Campanha da Fraternidade (CF) de 2023 que, a exemplo das edições de 1975 e 1985, tratou sobre a fome. 'Dai-lhes vós mesmos de comer' foi o tema.

Ainda em fevereiro, às vésperas da abertura da CF, o blog publicou com exclusividade levantamento oficial sobre o mapa da fome em Marília: um a cada quatro habitantes depende de programas sociais para se alimentar.


Igreja Católica celebrou a Campanha da Fraternidade de 2023 com tema sobre a fome | Foto: Érica Montilha

NUMERADOR DAS MISÉRIAS

Em novembro de 2023, Marília somava pelo menos 352 pessoas em situação de rua – é o último oficial disponível no Relatório de Programas e Ações do Ministério de Desenvolvimento Social (MDS).


Ainda em março do ano passado, chegou a 362, a maior quantidade já registrada no Painel de Monitoramento em Marília. Na primeira, em agosto de 2012, os moradores de rua não passavam de 13 pessoas, ainda segundo o censo oficial. Ou seja, aumento de 2.684% em onze anos.

Dos 352 listados no último novembro em Marília, 275 tinham direito ao recebimento do Bolsa Família – o valor mínimo é de R$ 600 – a exemplo de 433 dos 620 coletores de materiais recicláveis e de 39 de 59 famílias de presos.

Gráfico apresenta a evolução no número de pessoas em situação de rua em Marília desde 2012 | Fonte: SENARC

Além do trabalho voluntário principalmente de igrejas, os moradores de rua de Marília podem recorrer à nova sede do ‘Centro Pop’ para ter acesso à alimentação, higiene pessoal e se informar sobre documentos e benefícios.

A unidade em Marília é uma das 246 distribuídas em apenas 218 dos 5.568 municípios do país. Até agosto de 2023, 227.087 pessoas viviam nas ruas no Brasil, segundo os últimos dados divulgados pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA).

“Vivemos reflexos da pandemia, com aumento do desemprego, mais questões relacionadas à saúde e à família, que aumentaram o número de pessoas em situação de rua”, afirmou a assessora especial de assuntos estratégicos da Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social, Luciana dos Santos Ferreira.



Entre os andarilhos de Marília encontram-se moradores da própria cidade, migrantes e imigrantes – quanto a estes últimos, principalmente latinos e descendentes indígenas da Venezuela e da Colômbia, segundo levantamento municipal.

“É um público historicamente marginalizado que busca emprego e por ter dificuldade em falar português, fica nas ruas pedindo esmolas”, citou a assessora. “Eles nunca estão sozinhos, mas com suas famílias, com crianças e idosos”.

Os entraves no apoio à população de rua em Marília vão da falta de recursos escassos à aporofobia. “Infelizmente temos esse tabu com o pobre em quem deveria ajudar. “O desafio está em humanizar e fortalecer a rede de apoio”, apontou a assessora especial.


NOTÍCIAS

GIRO MARÍLIA

Da redação


MARÍLIA NOTICIA

Por Alcyr Netto



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