Da primeira nomeação episcopal no Brasil por Francisco à década de ordenação do quinto solidéu das terras de São Bento: fatos, contextos e bastidores do bispado de dom Luiz Antonio Cipolini na Diocese de Marília
Após vinte anos de serviços prestados à Igreja Católica como bispo diocesano em Marília, e aos 75 anos de idade, dom Osvaldo Giuntini recebeu, em 2013, o aceite canônico do Vaticano de sua renúncia e a entrada na vida emérita.
Era 8 de maio de 2013. O Vaticano acabara de apresentar seu 266º papa há menos de dois meses. Naquele dia, o Santo Padre anunciaria à imprensa, em seu Bolletino, as duas primeiras nomeações de bispos ao Brasil.
Da capo, após acolher o pedido formal de Giuntini, Francisco nomeou o então pároco da Paróquia Nossa Senhora de Fátima, de São João da Boa Vista (SP), Luiz Antonio Cipolini, como novo bispo diocesano da Igreja Particular em Marília.
Agora monsenhor, Cipolini receberia a ordenação episcopal, ainda em sua comunidade, em 7 de julho, na véspera de completar 51 anos. A posse diocesana ocorreria em pomposa celebração realizada em 4 de agosto, Dia do Padre, em Marília.
Aos 61 anos completados no último sábado (8), dom Luiz Antonio Cipolini chega aos dez dos 24 anos do episcopado que terá – até 2037 – com acertos e erros cujos fatos e contextos seguem abaixo.
POLÊMICAS
Ainda em maio de 2013, o futuro bispo de Marília visitou a diocese que lhe fora confiada pelo papa. Veio informado sobre o que encontraria pela frente: um bispo amado, mas cansado e um clero dividido e à deriva de uma nova gestão.
O então vigário geral, o cônego José Carlos Dias Toffoli – hoje em “tempo de repouso” desde 1º de dezembro de 2021 – seria substituído do cargo pelo também cônego João Carlos Batista, após quatro meses de episcopado.
A mudança, à época, não agradou parte do clero. Um dos motivos ficaria exposto, literalmente, pouco tempo depois. Ainda em 2014, o novo bispo se envolveria em sua primeira polêmica à frente da Diocese de Marília.
Sob a alegação de identificar uma “igreja dividida”, dom Luiz anunciou a transferência do padre Wilson Luís Ramos da Paróquia Santo Antonio, de Adamantina (SP). O pároco, negro, por sua vez, afirmou ter sido vítima de racismo.
Em meio à mobilização da comunidade pela permanência do padre, o bispo decidiu celebrar com ele em sua paróquia. Acuado em seu próprio altar e na sacristia, dom Luiz precisou deixar a igreja escoltado pela Polícia Militar (PM).
O padre acabaria transferido para a Paróquia Nossa Senhora de Fátima, em, Dracena (SP), não antes sem morar de favor com a mãe idosa. E o bispo entraria para história da Diocese de Marília por ser o primeiro a passar por tal vexame.
Preterido da chancelaria da Cúria ao final de 2013 pelo seu vice, o padre Maurício Sevilha, o então pároco e reitor da Catedral Basílica Menor São Bento, o padre Clécio Ribeiro, seria afastado do ministério em dezembro de 2015.
Na ocasião, o bispo informou, em breve nota, que o padre “deveu se afastar” para “poder tratar melhor assuntos particulares, que exigem tempo e nem sempre coadunam com os ofícios que requerem tempo integral”.
Na verdade, Clécio Ribeiro havia sido acusado de supostas “denúncias graves”. O processo se arrastou no Vaticano, com idas e vindas e, chegou ao veredicto, em 8 de julho de 2020, dia de aniversário do bispo: o reitor havia sido demitido pelo papa.
Ainda em 2017, o bispo afastou o padre Manoel Carlos Ney de Souza da Paróquia Sant’Ana, de Herculândia (SP), após receber denúncia de suposto assédio sexual contra um menor de idade. A decisão, no entanto, não foi pública. Pelo contrário: dom Luiz abafou a exposição do caso.
Procurada por este blog, a família manteve-se em silêncio. Apurou-se depois que houve encaminhamento à Justiça Comum. Em setembro de 2021, o padre teve atendido seu pedido de dispensa do celibato e das obrigações sacerdotais.
Manoel de Souza foi um dos padres citados em dossiê anônimo distribuído “aos meios de comunicação de Marília e região”, em novembro de 2018. O próprio bispo foi citado como “omisso” quanto às acusações apresentadas.
Em resposta, dom Luiz afirmou que “os fatos apresentados e devidamente assinados já estão sendo averiguados há algum tempo através de uma série de investigações e apurações sigilosas, com coletas de provas e testemunhos”.
No entanto, o bispo nunca apresentou quaisquer conclusões de apurações que estariam em andamento. Foco das atenções, o padre João Carlos Batista deixaria o cargo de vigário, ainda em dezembro de 2018.
Em janeiro de 2019, o bispo foi acusado, em panfletagem apócrifa, de “acobertar a vida promíscua” de seu ex-vigário. Em retiro com o clero, em Agudos (SP), dom Luiz já havia defendido o padre. Na última sexta (7), repetiu o agrado, em sua missa de 10 anos do episcopado, como se pode conferir nos agradecimentos finais. Confira vídeo abaixo:
“Agradeço, de coração, especialmente, ao cônego João Carlos Batista que foi vigário geral de 2013 a 2019 e ao padre Maurício Sevilha atual vigário geral. Agradeço, pois são dignos de minha confiança”.
Ao longo de seu episcopado, o bispo de Marília tem recorrido ao conveniente expediente da transferência dos padres que prestam um contratestemunho, sejam os acusados de má gestão por suas paróquias ou os envolvidos em escândalos.
A uns, dom Luiz tem orientado um período de discernimento em casas especializadas no cuidado com os sacerdotes, a exemplo do que ocorrera com o padre Silvio Quaio, já reintegrado; a outros, o benefício dos estudos ou envio em “missão” como procedera com o padre Claudinei de Almeida Lima, após ser acusado de esbanjar os recursos da Paróquia São José, em Panorama (SP).
Nos últimos anos, o bispo tem se manifestado oficialmente principalmente em casos expostos pela mídia nos quais seu silêncio poderia incorre-lo à interpretação de omissão.
O exemplo mais recente é o do padre Denismar Rodrigo André, condenado em primeira instância por suposto armazenamento de pornografia infantil. Em entrevista exclusiva ao blog, a defesa confirmou recurso e sustentou a inocência do sacerdote.
MUDANÇAS
Como de praxe na rotina milenar da Igreja Católica, dom Luiz precisou de tempo para implementar sua gestão episcopal. Ainda em 2014, contratou um funcionário para cuidar da bolsa comum da Cúria, em meio à mudança do escritório de contabilidade.
A implantação de novas orientações para o trato com o dinheiro arrecadado nas paróquias tem estimulado a prestação de contas aos fiéis – exceto o dinheiro que entra nos cofres da Cúria, cujo balanço até os padres têm restrito acesso.
Cogitada ainda no episcopado de Dom Osvaldo Giuntini (1992-2013), a Escola Diaconal foi oficialmente instalada por dom Luiz em março de 2015. Até então, a diocese tivera apenas o diácono permanente Cecílio Davi, falecido em 2022, menos de um ano após sua ordenação sacerdotal.
Dos 72 ingressantes apenas 32 foram ordenados no final de 2021 – um deles, já falecido. Homens casados a serviço do altar e da Igreja, ajudam no dia a dia e nas celebrações das paróquias, sem direito a salário.
A distribuição irregular dos diáconos permanentes na diocese, amenizam em parte o déficit de padres na região. Em 33 das 65 paróquias, o pároco ou administrador ainda atua sozinho sem apoio de diáconos permanentes ou de colegas vigários.
Dos 95 padres (diocesanos e religiosos) que compõem o clero atual, segundo o Guia Diocesano de 2023, 23 (24,2%) foram ordenados pelas mãos de Dom Luiz. Estão contados dois afastados: Edson Luís Barbosa da Silva e Denismar Rodrigo Andre.
Atualmente, três diáconos transitórios estão em vias de serem ordenados. Outros 20 seminaristas estariam em formação, distribuídos no Propedêutico (iniciação) e nos cursos de Filosofia e Teologia. Do candidato ao padre costuma-se levar dez anos de estudos.
A futura safra de padres servirá uma diocese com acréscimo de, por ora, mais cinco paróquias – quatro em Marília e uma em Adamantina (SP) – na comparação com 2013 e um rebanho que encolhe ano a ano, segundos os números oficiais.
A nova realidade da Igreja Católica em Marília ficou exposta em 2022 por ocasião da celebração do Corpus Christi no estádio municipal “Bento de Abreu Sampaio Vidal”. A presença dos fieis não preencheu menos da metade do gramado ocupado.
Além das orações, o bispo de Marília fez uso da razão quando decretou, em março de 2020, o fechamento de todos os templos católicos, ainda que uma parcela de fieis negacionistas ignorasse o risco real de morte pelo contágio da doença.
Mesmo assim, o bispo seguiu fielmente as orientações sanitárias e permitiu a reabertura dos templos aos poucos, sobretudo após o avanço da vacinação. Dom Luiz foi uma das poucas lideranças religiosas a defender a ciência publicamente.
Após mais de dois anos da publicação do Motu Proprio “Vox Estis Lux Mundi”, que determinou regras e mecanismos para atendimento a pessoas vítimas de crimes sexuais praticados por clérigos, em maio de 2019, o bispo instalou, em 11 de novembro de 2021, a Comissão Diocesana para Tutela de Menores e Pessoas em Situação de Vulnerabilidade.
Presidida por dom Luiz, a comissão serve para assessorá-lo quando da apresentação de denúncias. Caso o denunciado seja o próprio bispo, o protocolo deve ser feito na Nunciatura Apostólica do Brasil e/ou encaminhado ao Vaticano.
O bispo tem buscado parcerias que supram as necessidades de apoio especializado. Em julho de 2022, os orionitas assumiram a Pousada Bom Samaritano, de Dracena (SP). A entidade atua no cuidado aos dependentes químicos.
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